Pensei no Cazuza. Ele tem a ver com esses dias. Nos anos 80, comprei um disco histórico dele, “O Tempo Não Para”, quando o para ainda usava na testa o acento que lhe dava charme. Na época, uma das minhas diversões era comprar discos. Havia uma loja bem fornida no Centro de Criciúma, na frente da Praça Nereu Ramos. O dono me ligava quando surgia algo interessante. Foi ele quem me avisou dessa obra-prima de Cazuza.
Ouvi um milheiro de vezes aquele disco, no meu três-em-um. Era diferente dos outros que ele havia gravado. Nos outros, quem se apresentava era o eterno adolescente, o garoto mimado da Zona Sul do Rio, vivendo em interminável fase de rebeldia contra o mundo adulto. Neste, havia um novo elemento. Neste havia dor.
Cazuza já havia sido diagnosticado com AIDS, e sofria. É o sofrimento que sublima a arte.
Eis a primeira relação dele com 2021. Porque, então, também estávamos em meio a uma peste aterrorizante. A AIDS explodiu no início da década sem que ninguém soubesse muito bem do que se tratava. Primeiro era chamada de “peste gay”, depois se dizia que até indo ao dentista você poderia ser contaminado. Os infectados viraram párias, as pessoas temiam tocá-los. Cazuza cantava: “O meu amor agora é risco de vida”.
Foi justamente a agonia de Cazuza que alertou o Brasil para o horror da AIDS. Sua figura a cada dia mais esquálida e macerada assustava as pessoas. O fato de ele aparecer em público enquanto a doença o consumia teve o efeito de uma campanha de incentivo à prevenção. Sem saber, Cazuza deve ter salvo milhares de vidas.
Mas não foi a conexão entre os dois vírus que me fez lembrar dele agora. Até porque nossos sentimentos eram distintos, nos anos 80. A praga do HIV assombrou a Humanidade até o fim da década, quando os cientistas desenvolveram o coquetel que controlaria a doença. Era horrível, o HIV era mais mortal do que o Corona, só que nós sabíamos que se podia evitá-lo com facilidade. O Corona, não. O Corona, você pega pelo ar, pega recebendo a tele-entrega em casa, pega levando a mão ao rosto.
Li que passamos a mão no rosto 23 vezes por hora, em média. Não sei quem contou isso, mas é uma mostra de como estamos sempre correndo o risco de contrair esse vírus e outras porcarias mais. Então, existe apenas uma forma garantida de ficar livre do perigo: a bendita vacina.
Foi o que me fez pensar em Cazuza. Porque, naquele seu disco famoso, ele expressava, melancolicamente, o desejo de descobrir a cura para o seu mal. Era assim que terminava a poesia de “Todo amor que houver nessa vida”, com Cazuza implorando: “Algum remédio que me dê alegria, algum remédio que me dê alegria”. A frase me fazia sentir compaixão por Cazuza. Ele esperava pela droga salvadora e sabia que os cientistas trabalhavam freneticamente nisso. De fato, o coquetel antiaids funcionou, mas, para Cazuza, não deu tempo. Ele morreu em 1990.
Agora, a vacina anticorona enfim chegou ao Brasil. Um remédio que nos dá alegria. Tomara que as autoridades compreendam que é preciso pressa, que é preciso esquecer a política, é preciso mobilizar-se e reunir todas as forças para conseguir vacinas que atendam à maioria da população. O remédio existe, mas temos de buscá-lo em boa quantidade. É nisso, e só nisso, que o Brasil tem de se concentrar hoje. Até porque, como bem sabia Cazuza, o tempo não para.