Era um plano perfeito. Eu e o Nick pespegaríamos os primeiros beijos de nossas vidas em nossas namoradinhas, as Silvias. Mas não seria fácil. Sabíamos que elas se defenderiam como se fossem Kannemanns e Geroméis. Se descobrissem nossas intenções, se afastariam de nós marchando, nem teríamos chance. Assim, programamos cada passo com critério.
Em primeiro lugar, teríamos de sair cedo do joguinho. Jogávamos bola todas as tardes, até anoitecer. O problema era que, se voltássemos para casa em hora adiantada, não daria tempo para ficar com elas. Afinal, teríamos de tomar banho, jantar, talvez fazer algum tema de casa, todas aquelas pesadíssimas obrigações da época.
Olhei para o Nick. Ele olhou para mim. Aproximei-me mais da Lemos. Meu ombro tocou no dela.
Então, tínhamos de sair antes do horário tradicional do fim da pelada. Só que a bola era nossa – eu e o Nick havíamos comprado uma dente de leite em sociedade, usando o dinheiro que amealhamos vendendo garrafa e jornal. A dente de leite não era bola de couro, não era oficial, era feita de um material entre o plástico e a borracha, duríssima. Quando você chutava, ela saía de revesgueio, zunindo, e, se você recebia uma bolada na perna, ela como que chupava sua carne. Doía como a saudade.
Bolas de futebol, naquele tempo, eram caríssimas. Quem tivesse uma oficial, número 5, tinha um tesouro. Sem a número 5, o joguinho era com a nossa dente de leite e a prezávamos muito, não íamos deixá-la com os bagaceiros dos nossos amigos. Fizemos o seguinte: depois que tínhamos jogado bastante, um de nós deu um chutão para o lado de lá da Industriários, mais ou menos onde hoje fica a Biblioteca Romano Reif, onde li livros aos quilos e que agora foi miseravelmente abandonada pelo poder público. Gritei:
– Vou buscar!
E saí correndo em direção à bola. Cheguei lá e fiz de conta que não a encontrava, cadê?, cadê?, e aí o Nick gritou:
– Peraí que eu pego!
E atravessou a rua correndo e botou a bola embaixo do braço e nós dois voamos em direção às nossas respectivas casas, deixando os outros furiosos no Alim Pedro, xingando nossas genitoras. Depois disso, jantamos rapidamente e fomos para o banho. Saí perfumado, sentindo-me levitar. Olhei para a minha irmã, a Coimbra das Silvias, e pensei se aquilo de permitir que meu amigo lhe roubasse um beijo não seria uma espécie de cafetinagem de irmão. Mas, puxa, eles já eram namoradinhos e não havia mal nenhum, era só um beijo inocente, e eu também beijaria a irmã dele… Portanto, tudo bem. Meu dilema moral se encerrou em 12 segundos.
Neste momento, o Nick e a Silvia chegaram. Ela estava linda como sempre, era moreninha e meiga e meu coração começou a pulsar na garganta, de emoção antecipada.
– Que tal um joguinho de cartas? – propus.
Topamos e fomos para o meu quarto. Sentamos, os quatro, no parquê, sintonizamos na Hora do Rei, e ele começou a cantar:
“Lembro de você e fico triste
Até me dá vontade de chorar
De lembrar que o amor não mais existe
Não mais existe, mas eu sempre hei de te amar…”.
Olhei para o Nick. Ele olhou para mim. Aproximei-me mais da Lemos. Meu ombro tocou no dela. Ele se chegou mais na Coimbra. Ombro com ombro, também.
O radinho estava ao lado, no chão. Dele se evolou uma das minhas preferidas do Rei, aquele verso imortal:
“Se alguma vez você pensar em mim
Não se esqueça de lembrar
Que eu nunca te esqueci”.
Oh, que coração não seria dissolvido por essa poesia… Respirei fundo, tomando coragem. O Nick, à minha frente, estremeceu.
Era chegada a hora.
Era chegada a hora!
Enfim, o primeiro beijo!
Então… Mas acabou o espaço. Terei de deixar para a próxima coluna. Contenham-se. Esperem!