Se eu contar aqui a piada da bichinha que foi engolida por um jacaré, o que vai acontecer?
As "redes" se movimentarão como a Divisão Panzer atravessando a floresta das Ardenas, grupos LGBT, colegas jornalistas, leitores, sociólogos, parte da sociedade brasileira desabará sobre mim para me execrar e pedir que seja punido.
Não vai adiantar alegar que é uma ficção, uma brincadeira. As pessoas responderão que, ainda que eu não tivesse intenção de ferir alguém, o fato de ter contado a piada ofendeu a quem é sensível ao tema.
De fato, as pessoas se tornaram sensíveis demais, hoje em dia. É muito difícil não ferir suscetibilidades. Mas me rendo. Não escrevo para fazer mal às outras pessoas. Então, se percebo que alguns ficarão tristes se escrever algo, não escrevo algo.
Não é a reação furiosa, a crítica feroz ou a movimentação de algum grupo que me faz parar. Ao contrário: quando me atacam, a minha tendência é revidar com mais força. O que me deixa chateado é deixar alguém chateado.
Uma vez, disse para a Martha Medeiros: a minha kriptonita não é uma mulher braba; é uma mulher triste. A mulher braba me dá vontade de sair e beber com os amigos e dizer que todas as mulheres são chatas. A mulher triste me faz pedir desculpas, me sentir um canalha e comprar flores para ela. A Martha achou boa ideia e avisou que escreveria uma crônica a respeito. Será que escreveu? Não lembro.
Mas o que interessa é que, com os leitores, é a mesma coisa. Às vezes um leitor manda um e-mail lamentando: "Eu gosto tanto do que tu escreves, mas tu me deixaste triste quando escreveste que...". Esse leitor transforma minha alma em um cheeseburger, ele me arrasa. Fale mal de mim, mas não diga que fiz mal a você.
É por isso que certas piadas ou histórias, por divertidas que sejam, a gente só conta em mesa de bar, rodeado por amigos, longe de celulares e cuidando para que o pessoal da mesa ao lado não ouça.
Não estamos aqui para magoar os outros, não é mesmo?
Seguindo esse raciocínio, consigo compreender a revolta de tanta gente com a polêmica mostra do Santander e com essa peça que apresenta um Jesus transexual.
Citei, no começo do texto, a anedota do gay engolido pelo jacaré. Se os LGBT não aceitam uma piada deste tipo, por que eles se arrogam o direito de provocar ou até insultar quem tem sua crença religiosa? Não há bom senso nisso.
Agora, para você que tem pensamento binário e que entende que tudo é contra ou a favor, sim ou não, preto ou branco, sublinho que sou CONTRA qualquer tipo de censura a obras de arte, peças de teatro, livros etc. Já disse e repito: a arte pode se expressar sobre tudo. O pecado da arte é ser ruim.
O que estou dizendo é que, no suscetível mundo do século 21, tudo é, exatamente, contra ou a favor, sim ou não, branco ou preto. Assim, o cristão que hoje se sente ofendido amanhã vai ofender e a resposta virá e a tréplica se dará também e isso nunca mais vai acabar.
Estamos muito perto das hélices. O mundo está ficando perigoso. Você, que tem a cabeça arejada, que é libertário, que é culto, que luta contra os preconceitos, pare de lutar. Pare de protestar. Pare de "provocar o saudável debate", porque o saudável debate não é mais saudável. Nós não estamos avançando. As pessoas só avançam quando seguem juntas.