
Nós, quando guris, lá no IAPI, nós jogávamos ping-pong, mas hoje prefiro dizer que éramos mesatenistas. Mais bonito.
O problema é que não tínhamos mesa. Juntávamos várias dessas mesas de fórmica para quatro pessoas, formávamos uma grande e a dividíamos com uma faixa de pano que fazia as vezes de rede. Quando a bolinha batia nas junções das mesas, saía torta, nos enganava, uma chateação.
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Aí, certo dia, decidimos nos mobilizar para comprar uma mesa. Traçamos um plano: promover uma festa junina a fim de arrecadar fundos. Então, corremos a percorrer a vizinhança, pedindo os produtos de que necessitávamos. Os vizinhos foram sensíveis, um doava uma xícara de açúcar, outro um punhado de pinhão, um terceiro cedia um quarto de litro de vinho de garrafão. Em poucos dias, podíamos montar a nossa festa.
Foi um sucesso. Numa noite azul de junho, acendemos uma enorme fogueira no terreno em que depois foi construída a Gráfica Palotti, vendemos quentão, pinhão assado, pipoca, amendoim torradinho e beijos da Alice e da Sândi, brincamos, nos divertimos e juntamos um bom dinheiro. No dia seguinte, fomos em ruidoso bando a uma madeireira que havia ali perto e escolhemos uma enorme tábua retangular, que, na minha memória, parece maior até do que as mesas em que os atletas olímpicos jogam aqui no Rio.
Lixamos a mesa bem direitinho, fizemos as marcações e nos pusemos a disputar animados campeonatos individuais, de duplas e de revista. Dedicados mesatenistas, nós éramos.
A PÁTRIA DO PING-PONG
Lembrei-me da nossa festa junina ao assistir às partidas de tênis de mesa na Olimpíada.
Quem menoscaba o tênis de mesa não sabe que esse é um dos esportes mais assistidos e praticados da Terra. Isso acontece porque os chineses adoram ping-pong, e, em se tratando de gente, não existe nada em maior quantidade do que chineses. Chineses por aí há mais de bilhão.
Por que os chineses se reproduzem tanto? Obviamente, porque o sexo é muito popular entre eles. Os cariocas, aqui, se exibem, dizem que o Rio é a cidade do pecado, o velho Braga já escreveu que Copacabana estava perdida e cega no meio de suas iniquidades e da sua malícia, e bradava, como um profeta hebreu: “Ai de ti, Copacabana!” Nisso acreditam os cariocas, mas quem realmente pratica sexo, está provado pela matemática, é o chinês. Pois chineses, tantos que são, amam o ping-pong.
Em Pequim, vi conjuntos habitacionais com mais de 20 mesas de ping-pong na área de recreação. Dê uma passada d’olhos em alguns dos nomes dos mesatenistas brasileiros nesta Olimpíada: Tsuboi, Kumahara, Lin.
Por que olhos amendoados enxergam o tênis de mesa com tanto amor? É algo que gostaria de descobrir.
O BEIJO DE EVA
No Riocentro, entre jogadores e jogadoras estava Eva Ódorová, da Eslováquia.
Eva é alta e magra. Vestia uma minissaia preta que lhe deixava expostas as longas pernas rosadas. Decidi torcer por ela. Não por causa das pernas, e sim porque ela levava no rosto um olhar de quem sofre.
Sua adversária, ao contrário, parecia estuante de confiança. Como vários outros mesatenistas, ela é de origem oriental, embora defenda os Estados Unidos. Chama-se Yue Wu, usa cabelos curtos, não é muito grande e tem jeito de braba.
Eu é que não ia torcer por uma mulher braba.
O jogo começou, e Eva estava concentrada. Quando ia sacar, agachava-se, punha na palma da mão a bolinha e ficava olhando-a sem piscar, como se falasse com ela, como se estivesse em oração. Em seguida, atirava-a para cima, a uma altura de três metros, e batia nela com a raquete.
Gostei do estilo.
A americana fazia um jogo mais discreto. Rebatia com parcimônia cada golpe de Eva, mas rebatia de forma certeira, e Eva passou a se enervar.
Eva perdia um ponto, ia até a grade onde estava sua técnica, enxugava o suor do rosto com uma toalha e voltava para a mesa. Mandava a bolinha com força para o outro lado, e a americana aparava com a raquete. Ping: ponto para a americana. Pong: outro ponto para a americana.
A americana tinha o controle do jogo, Eva conversava com a técnica, suspirava, alisava a mesa, e nada de reagir. Maldição!, murmurei. Perderemos!
Então, Eva fez algo estranho: levou a bolinha aos rosto e, levemente, tocou-a com os lábios. Terá sido um beijo? Ou um sopro? Beijo ou sopro, beijo ou sopro? Preferi acreditar que tivesse sido um beijo.
Aquilo me enterneceu. Eva beijava a bolinha com a ânsia da amante. Lembrei-me de Di Stéfano, que agradeceu à bola de futebol: “Gracias, vieja”. Eva não agradecia, Eva implorava: “Ajuda-me, vieja”.
Deu certo. As respostas de Eva tornaram-se mais precisas, mais firmes, e ela desandou a pontuar.
Pensei: é ouro! É OURO!
Mas, antes de um saque, a americana curvou um pouco a cabeça e, com aqueles seus olhos oblíquos, olhou reto nos olhos redondos de Eva. Achei ter visto Eva estremecer. Eu, pelo menos, estremeci, intuindo o pior.
E a americana oriental pôs-se a dar raquetadas furiosas com seu braço de ferro, e Eva, pobre Eva, o jogo de Eva foi se desmanchando e em seu rosto a expressão de sofrimento se acentuou e gemi da arquibancada e a americana venceu. Sim. Perdemos, eu e Eva. O ping-pong é para os fortes.