Se você ainda não percebeu, sua relação com vírus mudou. Quem viveu nos últimos dois anos e meio nunca mais vai subestimar o estrago que um vírus pode fazer no mundo. Mas que fique bem claro: entender a importância nunca deve ser sinônimo de pânico. Pelo contrário: quanto mais sabemos sobre algo, melhor podemos nos preparar.
Conhecimento empodera; medo debilita e paralisa. Sabe o que paralisa também? Falta de investimento. Por exemplo, os virologistas africanos há décadas solicitam subsídios para estudar a varíola de macacos, uma zoonose típica africana. Ela é causada por um vírus parente do da varíola que infecta símios e gente, mas comumente encontrado em roedores. Porém, assim como no caso da dengue, eles são sumariamente ignorados com a desculpa dessa ser uma doença tropical, de pouco interesse mundial. Só que acabou essa coisa de doença que fica num lugar só, correto?
O recente surto de varíola de macaco já contabiliza mais de 700 casos mundialmente, entre suspeitos e confirmados. Não se sabe ainda como houve essa expansão global, mas uma coisa é certa: contatos com vírus que infectam animais silvestres devem aumentar à medida que aumentam desmatamentos e urbanização. As boas notícias são que o mundo está um pouco mais preparado para sequenciar genomas virais e desenvolver bons testes rápidos e a vacina que erradicou a varíola também protege dessa doença. Com investimento em pesquisa e vacina, isso se resolve.
Mais difícil de entender é o surto mundial de hepatites pediátricas, que já soma 650 casos. Muitos precisaram de transplantes de fígado, tal a gravidade da doença. Um artigo de pediatras do Imperial College em Londres publicado no Lancet elenca duas hipóteses principais, relata não haver causas ambientais comuns entre os casos e que tudo aponta para uma causa infecciosa. Nenhum dos casos está conectado a vírus de hepatites A, B, C, D ou E. Mais de 72% dessas crianças testaram positivas para adenovírus, um vírus comum, de DNA, que pode às vezes causar hepatite, mas nenhuma dessas crianças apresenta o vírus nas biópsias de fígado – o que seria o caso, se a doença fosse desencadeada por essa infecção.
Cerca de 20% dessas crianças era positiva para SARS-CoV-2. Na Misc, a síndrome inflamatória severa que afeta algumas crianças com covid-19, a hepatite grave é um dos sintomas; então, as crianças estão sendo testadas agora para infecção previa, se não for ao mesmo tempo da hepatite. O centro de prevenção e controle de doenças dos EUA (CDC) reporta que 75% das crianças do país, não vacinadas, se infectaram com SARS-CoV-2 até abril deste ano. É possível que a hepatite seja fruto de uma resposta exagerada ao coronavírus e que pode estar associada ou não com a coinfecção por adenovírus.
Como tratar essas crianças: com antivirais ou imunossupressores? Precisamos urgentemente de recursos para estudar isso se queremos uma resposta. E aí, já escolheu qual será sua nova relação com os vírus? Medo ou conhecimento?