Muitos me perguntam como é fazer ciência no Brasil. Difícil de explicar. Nos dias de hoje, é mais ou menos assim: tentar se concentrar em algo muito complexo, ao mesmo tempo em que um cachorro late incessantemente em uma das suas orelhas. Na outra orelha, você ouve uma furadeira de impacto. E, na sua frente, alguém gritando que o que você faz não importa e você nunca vai conseguir emprego.
Essa terceira parte, um pouco, sempre existiu. Antes, ela soava mais como um desafio – não era um fato consumado. Quem, como eu, decidiu ficar, sabia que seria difícil. Mas não imaginava que veríamos o que este governo fez e está fazendo com a ciência no Brasil.
Décadas foram necessárias para construir as agências de fomento nacionais. Capes e CNPq, Finep, universidades, ministérios de Ciência, Educação, Saúde. Políticas, leis, mecanismos de suporte e de monitoramento de qualidade – um a um, vêm sendo destruídos sumariamente. Nada era perfeito; era uma construção diária. Mas existia um sentimento que podíamos passar para nossos alunos de que um futuro melhor era possível.
Em março de 2020, eu recém havia ingressado no serviço público. Três doutorandos e eu tínhamos o espaço do laboratório, mas não os recursos para insumos ou equipamentos. Quando a pandemia começou, nos lançamos a estudar o que colegas estrangeiros, bem equipados, descobriam sobre o vírus. Foi quando colaboradores nossos no Hospital Moinhos de Vento reposicionaram para covid-19 a verba que possuíam de um projeto do Ministério da Saúde. Juntos, iniciamos um estudo da imunidade das crianças com covid-19.
Orçamentos, reuniões, planejamentos, compras – todos feitos online. A universidade se organizou para que alguns laboratórios funcionassem com segurança. Alunos se voluntariaram a trabalhar enquanto ainda lavávamos as compras do supermercado. Amostras foram coletadas e processadas enquanto ainda aprendíamos sobre o vírus. O grupo coalesceu em meio ao desafio – e diferentes projetos foram iniciados. E completados.
Que futuro existe hoje, neste país, para essas meninas e esses meninos geniais?
Nesta semana, recebemos da revista Nature o aceite do nosso primeiro artigo sobre imunidade pediátrica ao SARS-CoV-2. Digo a esses incríveis jovens pesquisadores que um dia vão contar essa história para os netos – a de que montaram um laboratório do zero na pandemia de 2020 e, em um ano, publicaram na Nature. Inacreditável? Tal é a capacidade dos jovens cientistas do Brasil. Mas me pergunto: o que mais eles terão de contar e explicar? Que futuro existe hoje, neste país, para essas meninas e esses meninos geniais?
Orçamento de ciência praticamente zerado, ministérios paralisados, universidades reféns de desmandos. O que parecia antes um desafio é hoje uma sentença. Sim, essas meninas e meninos têm um futuro brilhante, e vão contar essa história – só que não aqui.