Qual a manha para dar um presente?
Não caia no eufemismo piedoso de que o que vale é a intenção, o que vale é ser lembrado. Infelizmente, pode acabar mal lembrado, qualquer que seja a faixa etária.
Realize o seguinte exercício: imagine a pessoa recebendo o presente.
Se você consegue visualizar a pessoa sorrindo com aquela surpresa, não tem erro.
Se você consegue visualizar a pessoa usando o que foi dado, não tem erro.
Se você consegue visualizar a pessoa falando o que ganhou para amigos ou familiares, não tem erro.
E, principalmente, se você consegue visualizar a pessoa agradecendo logo ao abrir o embrulho, não minutos depois, no instante exato em que ela descobriu o conteúdo, não tem erro.
Gratidão do puro contentamento é rápida, simultânea ao ato da entrega. Qualquer “obrigado” posterior é superficialmente educado, protocolar, mera formalidade.
O fundamental na arte de agradar e corresponder às expectativas é entender que você não está dando o que gosta, mas o que o outro gosta, o que você sabe do outro, o que você aprendeu sobre o outro durante a convivência.
Não idealize ou arrisque: apenas observe. A causa exige uma abnegação de suas vaidades e predileções.
O presente deve transmitir o caráter de consagração da confiança, de celebração da amizade. A partir dele, você prova que prestou atenção no comportamento do presenteado, estudou os seus sinais e quereres, absorveu as suas confissões e reconheceu os seus sonhos e anelos.
A idade também interfere. Não compensa dar o que é útil para crianças e adolescentes. Vão odiar: invente de oferecer roupas íntimas, ou conjuntos básicos, e entrará na lista dos inimigos íntimos. Criança gosta de brinquedos. Jovem gosta de versões cada vez mais novas de seus aparelhos prediletos.
Nem adianta argumentar para o adolescente que ele já possui celular, que o smartphone se encontra em perfeito estado, que não há necessidade de um novo, que não faz sentido a sua substituição imediata.
A questão basilar é que ele não se importa com funcionalidade, age por tendências e obsessões, por influência e visibilidade.
O supérfluo é o seu essencial. O que lhe interessa são novos aplicativos e câmeras mais potentes. O celular é tudo para ele, menos telefone.
Já quem passou dos quarenta anos anseia pelo contrário: por aquilo de que está precisando, por aquilo que é item obrigatório de sua rotina, por aquilo de que carece. Caracteriza-se por um propósito de natureza oposta: diminuir as suas despesas.
Dê roupas e será aplaudido. Dê acessórios para a cozinha, como cafeteira e filtro d’água, e será ovacionado.
A praticidade é tanta que o sonho seria, na verdade, que o afeto pagasse algum de seus boletos — só falta coragem para pedir.
O consumismo dos filhos e netos ou o desespero financeiro dos pais e avós vêm engolindo a nossa criatividade. Não existe como caprichar muito na sobrevivência.