Quando criança, eu sempre sonhei em ter um baleiro, daqueles antigos de armazém. Três andares de redomas para girar e abrir as tampas de alumínio numa roleta-russa da alegria.
O baleiro é o aquário da infância. Enquanto os pais se dedicavam aos mantimentos básicos nas sacas a granel, eu permanecia hipnotizado na frente dele, eu o namorava, eu fantasiava a cena de consumo liberado para transbordar meus dedos e apanhar porções infinitas de seus diferentes potes.
Lembro que eu me esticava para enxergar o segundo e o terceiro andar dos globos no balcão.
Ficava na ponta dos pés, tendo que decidir quantas balas poderia levar com as moedas. Vivia uma expectativa sempre milagrosa de receber mais do que pagava.
Rezava também para que o atendente Alencar não tivesse troco para as compras da família e oferecesse completar o resto com balas. Era o melhor dos mundos. Além do uso das minhas economias e as dos irmãos, vinha o excedente do tesouro de outra fonte.
Havia uma solenidade no ato. Jamais colocava as gasosas no bolso sob o risco de perdê-las. Ele as embrulhava em papel de seda com o cordão amarrado em quatro vias e eu as carregava como se fossem uma torta para casa, equilibrando-me com as duas palmas das mãos esticadas, tal sonâmbulo não querendo ser acordado.
Depois, repartia com meus três irmãos de modo igualitário. Não poderia vir número ímpar que dava briga.
Não tínhamos sequer calma para chupar, tamanha a compulsão saborosa. Já mordíamos os doces, já os devorávamos com os dentes, disputávamos quem acabaria a sua cota primeiro.
Nunca comprei um baleiro. Acho que nem preciso mais. A bolsa da minha esposa cumpre os requisitos.
A sensação é que ela derramou o baleiro inteiro em sua bolsa: sempre tem balas sortidas e caixinhas de chicletes.
Nunca perguntei se ela assaltou o armazém do seu Alencar.
Nunca falta nenhuma goma de mascar entre nós. Às vezes, a mercadoria é tamanha que ela parece revendedora.
Eu posso escolher os drops mais variados como nunca escolhi na minha meninice. E de graça!
Ao viajarmos juntos, nem cogito uma resposta negativa a um pedido de balinhas. É assim quando vamos ao cinema. É assim quando vamos ao teatro.
Estarei sempre bochechando nos espaços públicos, com a língua trapezista no céu da boca. Tento não fazer barulho, tento me conter, mas a felicidade é escandalosa.
Nossos hálitos são perfumados de tutti frutti, de cereja, de morango. Nas noitadas, usamos o mentol do Halls azul. Nos passeios vespertinos, preferimos as frutas. Recusamos unanimemente canela, que evoca os chás curativos dos enjoos.
Beatriz, inclusive, me ensinou a fazer bolas, coisa que não tinha aprendido antes. Balões até estourar e encher a barba com os fios colantes.
Casamento é realizar os sonhos de pequeno. Você se casa para cuidar da criança que foi um dia.
De tanto namorar o baleiro, eu me casei com Beatriz. Você atrai o que deseja.