A crise atravessada pelo setor arrozeiro ganhou um alívio via exportações. Ancorado em um mercado um pouco mais enxuto graças às vendas para o Exterior, os preços do grão vêm apresentando reação e, há cerca de 10 dias, ultrapassaram a barreira de R$ 40 pela saca de 50 quilos, de acordo com acompanhamento da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Esalq/Cepea/USP). Até junho, os embarques do Rio Grande do Sul somaram 678 mil toneladas, 15% acima do comercializado para outros países durante todo o ano de 2017.
A receita foi de US$ 226 milhões, alta de 2% na mesma comparação. O aumento das exportações, apontam especialistas, é resultado de uma soma de fatores. No final de janeiro, a aflição com preços baixos, custos altos e endividamento levou produtores a reeditar o movimento Te mexe, arrozeiro. E o governo federal anunciou a realização de leilões de Prêmio para o Escoamento (PEP) e Prêmio Equalizador Pago ao Produtor Rural (Pepro), de até 1,2 milhão de toneladas. Esse volume acabou sendo destinado, em sua maior parte, para o Exterior. Ao mesmo tempo, o dólar iniciava uma trajetória de alta.
O câmbio e o preço no mercado interno, aquém das cotações internacionais, fizeram o grão gaúcho mais competitivo, situação que também teve o impulso da quebra da safra nos Estados Unidos, que costuma abastecer o mercado da América Central.
– O nosso preço em dólar está menor do que o dos nossos principais concorrentes. Estamos em um patamar baixo, enquanto o mercado internacional está em alta – explica Tiago Barata, diretor comercial do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga).
O valor da tonelada exportada neste ano está em US$ 333. No mesmo intervalo de 2017, o valor foi de US$ 401. Por linhas tortas, a cotação relativamente baixa do arroz no Brasil ajuda em outro ponto sensível: as importações. Com o mercado deprimido, países vizinhos como Uruguai, Argentina e Paraguai começaram a procurar outros destinos, com melhor remuneração. Até junho, as importações brasileiras foram de 277,5 mil toneladas, 43% abaixo de igual período do ano passado.
Leilões ajudaram a acelerar exportações
O economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Antônio da Luz, observa que os mecanismos de comercialização – PEP e Pepro – tiveram ao menos o mérito de dar velocidade às exportações e reanimar os preços. Luz reforça que, mesmo que o valor atual não seja motivo de euforia, abaixo do custo de produção de boa parte dos orizicultores, o cenário poderia ser pior caso esses fatores, entre eles os leilões, não contribuíssem para acelerar os embarques.
– Esta exportação, à medida que limpa os estoques, dá aos produtores que têm capacidade de armazenagem ou conseguem segurar o produto, a possibilidade de vender muito melhor do que sonhavam no início do ano. Pena que a maior parte já comercializou a preços ruins – lamenta o economista, referindo-se aos agricultores que, endividados, foram obrigados a entregar arroz no início da safra, no auge da depressão dos preços.
Para o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Henrique Dornelles, as exportações começaram a reagir ainda no final do ano passado e, nos meses seguintes, os negócios foram facilitados pela alta do dólar e pelos mecanismos de comercialização:
– Por volta de abril, começou a inversão da curva descendente dos preços para um equilíbrio e, em seguida, um movimento ascendente, até chegar nos R$ 41.
O principal destino do arroz gaúcho é a Venezuela. Segundo Guilherme Gadret, diretor da Expoente Corretora, os negócios são feitos por tradings ligadas ao governo ou por empresas internacionais da área que compram o arroz e trocam pelo petróleo do país. Até junho, a Venezuela absorveu cerca de um quarto do arroz exportado pelo Estado.
Minoria tira proveito de preço maior
A reação dos preços do arroz é recebida com alívio, mas o valor segue abaixo do custo de produção no Estado e, mesmo que a cotação suba, uma minoria consegue tirar proveito. Como boa parte dos arrozeiros está endividada, em regra é forçado a entregar a produção logo no início da safra, quando a pressão da colheita desfavorece a venda. O gasto necessário para formar a lavoura varia de acordo com a região, perfil do produtor e se a terra é própria ou arrendada, mas para o último ciclo ficou em torno de R$ 45 no Rio Grande do Sul.
– Estamos com recuperação dos preços do arroz ao longo do ano, mas poucos têm condições de esperar. Os menos capitalizados vendem mais rápido – observa o diretor comercial do Irga, Tiago Barata.
Antônio da Luz, do Sistema Farsul, lembra que uma fatia dos produtores, que até conseguiria equilibrar as colunas de receita e despesa com o preço atual do arroz, acabou com margens negativas.
– Muitos têm custo de R$ 40 por hectare, mas venderam a R$ 36, R$ 37 – conta o economista.
Apesar de esperar cotações próximas a R$ 50, o presidente da Federarroz, Henrique Dornelles, admite que a maioria não conseguirá tirar proveito. Uma das razões é a busca de financiamento cada vez maior em indústrias e fornecedores de insumos. Além de ser um crédito mais caro que o oficial, onde muitos sequer conseguem recursos, são forçados a vender em plena safra, a preços de mercado.
– Esse sistema falido ganhou representatividade nos últimos anos, e compromete inclusive os produtores mais capitalizados, que precisam fazer um esforço maior de planejamento e fluxo de caixa para não vender no momento em que esse arroz é absorvido, a valores abaixo do patamar remunerador – diz Dornelles.
Para o agricultor Juarez Petry, do movimento Te mexe, arrozeiro, a situação está insustentável:
– Todo contrato tem duas partes. Chegou na hora de o produtor dizer ao financiador que os juros precisam ser mais baixos e a entrega não pode ser mais na colheita.
Câmbio aumentará os custos da próxima safra
O câmbio que ajuda nas exportações vai se tornar uma fonte de dor de cabeça nos próximos meses. O dólar em patamar 20% acima do mesmo período de 2017, com previsão de mais turbulência pela frente devido à eleição, tende a aumentar os custos de produção, problema recorrente para a maioria dos produtores, que hoje operam no vermelho.
O presidente da Federarroz, Henrique Dornelles, classifica a questão como “enorme problema”. Os adubos, diz, já estão 16% acima de 2017. O diesel, apesar da redução de R$ 0,41 do litro na bomba, está mais caro do que há um ano. O frete é outra preocupação. Os defensivos também são afetados pelo câmbio. Já a energia ficou entre 25% e 30% mais cara, dependendo da região.
– A alta do custo por hectare fica em torno de 15%. Se na última safra o arroz, para empatar com os custos, deveria estar de R$ 43 a R$ 48, conforme a região, agora deveria ser entre R$ 49 e R$ 55 – ilustra Dornelles, que recomenda aos produtores adquirir os insumos o mais rápido possível.
O economista-chefe do Sistema Farsul, Antônio da Luz, também aponta o custo de produção como uma das maiores inquietações para a safra 2018/2019.
– Não sabemos como será a safra e o que vai acontecer com as eleições. De acordo com o candidato que vença, há expectativas diferentes para juro, dólar e bolsa. Há muitas incertezas. A única certeza absoluta é de que será uma safra bem mais cara – afirma Luz.
Indefinição na cotação
Tiago Barata, do Irga, teme que, diante da possível valorização do arroz, agricultores criem falsa expectativa e acabem até aumentando a área cultivada.
– O produtor tem de ter consciência disso ao dimensionar sua lavoura. Se o dólar ajuda na questão competitiva, por outro lado aumenta o custo de produção. Na hora de tomar essa decisão, o preço (pago ao produtor) estará mais alto. Mas quem garante que continuará assim no próximo ano? – questiona Barata.
A eleição é considerada decisiva nesse contexto. Apesar de o nervosismo da corrida eleitoral poder apreciar mais a moeda americana ante o real, a vitória de um nome que não agrade o mercado poderia levar a cotação a subir ainda mais, tornando assim o câmbio favorável às exportações no momento da colheita. A vitória de um nome comprometido com as reformas, por outro lado, poderia fazer o produtor plantar agora com um câmbio mais valorizado e, depois, em trajetória descendente.
A expectativa, no entanto, é de redução de área cultivada no Estado. Para Dornelles, a extensão cultivada pode ficar menor a 1 milhão de hectares.
– Com custos mais altos, não há matemática que feche. Vejo muita gente diminuindo áreas e migrando para a soja – diz o produtor Juarez Petry, do movimento Te mexe, arrozeiro, ao avaliar provável queda no plantio diante da equação custos e preços.