Por Marcelo Dutra da Silva
Ecólogo, professor na FURG
O arrasto destruiu o nosso litoral, os peixes sumiram e muitos pescadores donos de barcos foram à falência. Então, não restou alternativa senão proibir a prática, na esperança da recuperação do estoque pesqueiro. A medida veio na forma da Lei 15.223, que instituiu a política estadual de desenvolvimento sustentável da pesca no Rio Grande do Sul e criou o fundo estadual da pesca, aprovado em agosto de 2018 pela Assembleia Legislativa.
A pesca melhorou, os peixes voltaram a se aproximar da costa e não demorou muito para chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF) a primeira tentativa de barrar a lei, em dezembro de 2019: um pedido de liminar, encaminhado pelo Partido Liberal (PL), para que voltasse a ser permitida a pesca de arrasto na nossa faixa marítima.
O pedido foi negado pelo ministro Celso de Mello, que reconheceu a competência da União sobre direito marítimo e as regras de navegação, mas afirmou que há prerrogativas que garantem a legalidade na medida do parlamento gaúcho. E foi além: pontuou que há precedente no STF que garante a edição de leis pelas assembleias estaduais contra a prática da pesca predatória, especialmente as técnicas do arrasto.
A principal disposição da medida gaúcha foi afastar o arrasto de fundo para além das 12 milhas náuticas da costa (pouco mais de 35 quilômetros), reduzindo o impacto da pesca sobre o ambiente e a vida marinha na faixa litorânea. Colegas do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), integrantes do Laboratório de Recursos Pesqueiros Demersais e Cefalópodes, que pesquisaram a atuação da indústria pesqueira no município de Rio Grande, estimam que o afastamento da pesca de arrasto tem o potencial de aumentar a arrecadação estadual do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
A captura moderada e sustentável do recurso pesqueiro favorece a reabilitação do estoque e a oferta de peixes, sobretudo das espécies mais prejudicadas. E essa é a única forma de garantir que a atividade econômica se mantenha constante e segura. Porém, toda essa expectativa de proteção ficou ameaçada no final de 2020. A segunda tentativa de derrubar a lei chegou, mais uma vez pelas mãos do PL, e o ministro Kassio Nunes Marques, recém indicado ao STF pelo presidente Jair Bolsonaro, concedeu liminar autorizando a pesca destrutiva de arrasto no litoral gaúcho.
Na decisão, o magistrado destacou que as populações locais de pequenos pescadores vivem da pesca artesanal e que não dispõem de outro meio de subsistência para si e suas famílias. Também, que a proibição da pesca afeta suas vidas e provavelmente retira sua principal fonte de renda. O que soa estranho, já que a pesca nunca foi proibida, e sim o emprego de métodos predatórios como o arrasto de fundo.
As reações foram imediatas.
A Frente Parlamentar em Defesa do Setor Pesqueiro da Assembleia Legislativa gaúcha definiu um pedido de audiência com o presidente do STF, ministro Luiz Fux, em Brasília, em defesa da lei. Além disso, a Procuradoria-Geral do Rio Grande do Sul manifestou a iniciativa de um pedido de reconsideração ao presidente do Supremo, para que reveja a decisão monocrática do ministro Nunes Marques. Desdobramentos são esperados para os próximos dias, mesmo durante o recesso do Judiciário. Afinal, são mais de 20 mil famílias que dependem da pesca no litoral gaúcho.
O arrasto é uma prática de pesca de camarão que não é realizada por pescadores gaúchos, mas pelo setor industrial de Santa Catarina. Já o arrasto de fundo caracteriza-se pela captura da fauna íctica e de invertebrados marinhos ao longo do fundo do mar ou através da coluna d’água. Essa arte de pesca varia no desenho e nos métodos de arrasto empregados. A captura aleatória de diversas espécies torna a pesca de arrasto danosa, pois não seleciona os indivíduos a serem retirados do meio marinho. Portanto, podemos dizer que o Rio Grande do Sul deu um passo a frente quando propôs e aprovou a regulação e o uso sustentável do recurso pesqueiro. Pena que a decisão do ministro caminhou no sentido contrário.