Maria Gaias, mulher do motorista e dono da empresa Costa & Mar, Cérgio Antônio da Costa, rompeu o silêncio. Quase um mês depois do acidente que matou o marido dela, o filho do casal, Matheus, de 12 anos, e outras 49 pessoas que estavam no ônibus da empresa da família que despencou numa ribanceira da Estrada Dona Francisca, em Joinville, no dia 14 de março, causando a maior tragédia rodoviária da história de Santa Catarina, a viúva diz que não era sócia do marido na empresa, que ele mantinha a documentação dos veículos em dia e que é tão vítima quanto os familiares dos outros 49 passageiros mortos.
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- Alguém pode imaginar que um motorista se mata e mata o próprio filho de 12 anos? - disse, na tarde desta sexta-feira, em entrevista exclusiva para a reportagem.
Sentada na mesa onde o marido trabalhava, que fica numa sala instalada na parte da frente da casa, Maria Gaia diz que não sabe o que fazer a partir de agora, nem explicar o que aconteceu. Um advogado foi contratado pela família para acompanhar os passos dos inquéritos e das ações na Justiça. A mulher pensa em arrumar um emprego para continuar a vida, mas não se sente em condições nem de sair de casa. As portas da empresa ficam permanentemente fechadas. Um laço preto em sinal de luto foi colocado na janela.
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O cãozinho do filho Matheus continua esperando pelo menino. Um ou outro cliente ou amigo da família vai até lá, senta, conversa, mas as viagens estão suspensas indefinidamente. Ao lado da casa, num pátio cadeado, ainda estão dois ônibus e um micro-ônibus da Costa & Mar. Todos parados.
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A empresa não pode fazer novas excursões. Nada pode ser feito sem a assinatura do proprietário, que está morto. Ela diz que não era sócia e que, por isso, tem de esperar decisões da Justiça para poder tomar qualquer iniciativa em relação aos bens da empresa.
- Emitiram uma notificação para que eu fosse buscar as coisas lá no lugar do acidente, mas eu não posso fazer isso. Eu não posso nem emitir nota fiscal pela empresa. Não tem como. Eu queria que as pessoas entendessem isso. Nem dar baixa nas carteiras de trabalho dos motoristas eu posso - diz.
Ainda as perguntas
Quase um mês depois do acidente, ela fica se perguntando o que aconteceu e relembra o tempo todo que o marido não queria mais viajar naquela noite do dia 13 para o dia 14, depois que o ônibus quebrou e ficou na estrada, entre Mafra e Rio Negrinho.
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- Ele me ligava, pedindo para eu entrar em contato com um dos motoristas. Mas depois, no sábado, não conseguimos mais nos falar. Acho que a bateria do celular dele acabou - conta.
Maria ainda disse que não entende que possa haver ódio ou qualquer sentimento ruim em relação à sua família.
- Levamos anos construindo nossa empresa e perdemos tudo num piscar de olhos. Perdi o marido, o filho que era a minha vida e a empresa. Não posso viajar, emitir notas fiscais mesmo tento tudo em dia - diz.
Entrevista
Como está a vida um mês após o acidente?
Maria Gaias - A vida da gente não é a mesma. Não sei nem o que dizer. Dói demais. Não me conformo. A gente trabalhou muito. Sempre ajudei muito. Fazia tudo certinho. Aí, quando começou a se organizar, acontece uma tragédia dessas. A gente está sem chão, sem destino, sem nada. Está tudo parado. Estou esperando um milagre acontecer.
Os ônibus estavam regularizados?
Maria Gaias - O Cérgio era muito correto. Quando compramos o primeiro ônibus, ele levou tudo certinho na ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), no DER (Departamento de Estradas e Rodagem). Era só um ônibus. As pessoas foram conhecendo e procurando cada vez mais as viagens. A gente sempre levou tudo direito. O Cérgio mantinha todos os documentos bem certinhos. Quando o Conrado (organizador da excursão) chegou aqui, ele falou para o Cérgio que tinha 30 pessoas. O Cérgio disse que iria colocar aquele ônibus com 33 lugares porque era mais adequado. Ele tinha tudo certinho, todos os documentos da ANTT do DER do Paraná. Aí apareceu no último dia alguém e pediu para arranjar mais 15 pessoas para ir com a van. Foi isso o que aconteceu.
Aquele ônibus do acidente estava regularizado?
Maria Gaias - O que aconteceu foi a troca do ônibus. Aquele ônibus a gente comprou não faz muito tempo. Aí ele estava sendo regularizado. Até hoje falei com o pessoal do DER. Eles mesmo disseram que o Cérgio tinha ligado porque iria levar o ônibus para organizar, mas não deu tempo. Você vai comprando os ônibus, incluindo, fazendo a DER e a ANTT. E aquele ainda não estava. Mas a gente era tudo certo. O Cérgio era muito preocupado. Ele tinha tudo certo, ANTT, DER, licenças de viagem ele tirava tudo certinho, carteira de saúde. Tudo, tudo, tudo.
Havia muitas pessoas no ônibus?
Maria Gaias - As pessoas não sabiam e não podiam ter dito mentiras. Não era um ônibus com 33 lugares e mais de 50 pessoas. Porque as pessoas não foram saber melhor antes de falar? O ônibus tinha 51 lugares. Querem achar um culpado. Mas não é fácil. Ele trabalhava dia e noite.
O que a senhora acha que provocou o acidente?
Maria Gaias - Eu não sei. Não posso falar antes de a perícia ficar pronta. Aquele ônibus fazia o transporte para a faculdade, estava tudo certinho. Uns dias antes, ele foi levar o ônibus para lavar e foi sair na garagem e precisou frear. Daí ele disse que quase tacou a cara no para-brisa porque o ônibus estava muito bom de freio. Não tem explicação. Eu não imagino. No começo, pensei que ele tivesse passado mal. Mas não adianta a gente falar nada antes de sair o resultado da perícia.
Cérgio conhecia a estrada?
Maria Gaias - Conhecia bem. Ele passou várias vezes por lá.
Por que ele não foi pelo Paraná, pela BR-376?
Maria Gaias - Era bem mais perto. É o caminho. Eles sempre foram por ali.
Como a senhora soube do acidente?
Maria Gaias - Eu estava voltando em outro ônibus, de Foz do Iguaçu. Daí um policial rodoviário parou o ônibus e perguntou se eu era a esposa do Cérgio. E contou que havia ocorrido um acidente. Eu não acreditava que fosse tão grave.
A senhora chegou a ser hostilizada?
Maria Gaias - Não como disseram, de jogar pedras na casa. As pessoas ficam me acusando. E tem coisas que eu não posso fazer mesmo. Recebi uma notificação para ir limpar lá, buscar as coisas. Não posso fazer isso, não posso assinar nada pela empresa. Não sou sócia da empresa. Não é fácil.
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Leandro S. Junges
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