Em meio ao mar de desinformação protagonizado pela facilidade de acesso à tecnologia e às redes sociais, os veículos profissionais de jornalismo são farol de credibilidade e vacina contra as notícias falsas. Mas enfrentam o desafio de reinventar seu modelo de negócio para seguir operando.
Em março, o Parlamento Europeu aprovou diretrizes que protegem direitos autorais de criadores, entre eles as empresas de mídia. Com isso, Facebook e Google podem ser responsabilizados por violações. Um dos artigos exige que as plataformas digitais paguem os veículos para exibir seus conteúdos protegidos, como os resumos das notícias.
Recém-empossado presidente da Associação Mundial de Jornais (Wan-Ifra), entidade que reúne mais de 18 mil publicações em 120 países, o espanhol Fernando de Yarza, que comanda o Grupo Henneo, de Zaragoza, aborda a seguir as denúncias que pesam sobre Google e Facebook de práticas comerciais anticompetitivas.
Como o senhor avalia as práticas comerciais de Google e Facebook?
Essa é uma questão complexa. É verdade que são grandes players tecnológicos, assim como Amazon e Apple. Também em outros setores há concentração de negócios, que não necessariamente tem de ser negativa. Hoje, no ecossistema digital, há mais notícias do que nunca, e o acesso a elas não poderia ser mais simples. Ao mesmo tempo, pequenos jornais se beneficiam de ter intermediários de publicidade, que coletam milhares de pequenos anunciantes aos quais o jornal local nunca viria a ter sozinho. Mas é preciso acabar com a concentração se ela gera barreiras à entrada ou se abusa dessa situação dominante.
O Parlamento Europeu aprovou uma nova diretiva de direitos autorais, exigindo que plataformas como YouTube instalem filtros contra pirataria e permitindo que veículos de imprensa negociem com Google e Facebook conteúdos protegidos por direitos autorais. Qual o impacto dessa medida?
Essa diretiva tem um propósito admirável: consagrar os direitos dos criadores, garantir uma justa retribuição e dar harmonia a esses princípios. Ela reconhece o direito dos editores de imprensa sobre o trabalho coletivo que é um jornal e, além disso, nos dá o direito de escolher o modelo de negócio no qual cada um se encaixa mais, ao contrário das normas únicas que hoje existem na Espanha ou na Alemanha.
Como a Wan-Ifra se posiciona em relação ao duopólio de Google e Facebook?
A concentração do mercado está ocorrendo em muitas áreas e não é necessariamente ruim, desde que não se abuse do poder de mercado. Tecnologia e digitalização, especialmente na esfera global, exigem escala. Por exemplo, há poucas plataformas de vídeo sob demanda: Netflix, Amazon Prime e HBO dominam o mercado. Não acho que seja negativo para os consumidores ou para a sociedade. Insisto sempre que não se abuse dessa posição não em detrimento de outras empresas. O problema só surge se houver abuso do domínio. O Facebook reconhece isso quando pede desculpas por suas ações, como a propagação de notícias falsas. Mas faz pouco para mudar suas práticas. Globalmente, cerca de 60% da população considera que é difícil discernir a credibilidade das notícias e distinguir o bom jornalismo de falsidades. Combater a desinformação é uma questão ética, de responsabilidade social e de educação. Embora haja um objetivo comum de lutar contra a desinformação, não há uma solução regulatória clara e, normalmente, fazê-lo por regulamentação pode gerar conflitos sobre liberdade de expressão.
O poder das marcas editoriais é o primeiro filtro para a veracidade da informação. Mas também é indispensável treinar o público a ter um espírito crítico.
Qual é a saída?
Precisamos desenvolver uma estratégia coletiva para lutar contra a desinformação. E podemos fazer isso combinando a marca segura que proporcionam os veículos tradicionais e o jornalismo como sempre foi feito, ou seja, gerando, questionando e proporcionando informação ao público com a implantação de ferramentas que permitam filtrar as notícias falsas em um ecossistema digital alimentado cada vez mais a partir de fontes de origens variadas. Nesse sentido, o nível de envolvimento dos grandes gigantes tecnológicos é diferente. Por exemplo, na Espanha há uma história de sucesso que em breve será exportada para o resto da Europa: os principais grupos de comunicação participam do programa (In)Forma-te, com o Google e o governo do país, para atuar como um antídoto adicional a notícias falsas, treinando jovens em relação a pensamento crítico, facilitando a discernir o que se consome, a distinguir opinião de informação, a pensar antes de compartilhar algo, a comparar fontes para analisar a veracidade das informações. Obviamente, o poder das marcas editoriais é o primeiro filtro para a veracidade da informação. Mas também é indispensável treinar o público a ter um espírito crítico.
Como os órgãos reguladores devem atuar?
O desafio é entender como as plataformas digitais podem beneficiar os consumidores. Os mercados não são necessariamente os mesmos para Alphabet, Facebook, Amazon e Apple. E mudam, com o tempo, para cada empresa. É verdade que a posição dessas empresas em seus respectivos mercados é resultado do desenvolvimento de produtos e serviços que se adaptaram perfeitamente às necessidades do consumidor. Portanto, isso torna mais difícil que suas concorrentes atinjam essa escala. E é isso que os reguladores devem elucidar em relação ao mundo digital e de forma diferente para cada empresa no mercado em que atua: é mais benéfico para os consumidores contar com empresas com muito poder de mercado, mas com vantagens em serviços e eficiência ou introduzir via regulação concorrentes com escala reduzida?