
No dia 19 de maio de 2024, o corpo de Vladimir Abreu de Oliveira, 41 anos, foi encontrado no extremo sul de Porto Alegre, dois dias depois de ele ter sido levado por agentes do 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM) após uma abordagem no condomínio Princesa Isabel, na Azenha. Quatro policiais militares foram denunciados pelo Ministério Público (MP) pela morte do homem.
Segundo o inquérito da Brigada Militar e a denúncia, os agentes torturaram Oliveira e arremessaram o corpo dele da Ponte do Guaíba.
A denúncia foi aceita e, de acordo com o Tribunal de Justiça, o processo está em fase de instrução. No início de fevereiro, foi realizada uma audiência em que 10 testemunhas foram ouvidas. Na ocasião, estavam presentes o promotor de justiça Vinícius Melo, o assistente de acusação, os quatro réus e seus advogados.
O próximo passo do processo é uma nova audiência, em que os acusados serão interrogados. Esta será a primeira vez que os PMs serão ouvidos pelo Judiciário. A sessão está marcada para o dia 4 de abril.
Após o encerramento da fase de instrução, o juiz decidirá se os réus vão a júri ou não. Dos quatro policiais acusados, apenas dois seguem presos.

Justiça Militar
O caso da morte de Vladimir também corre na Justiça Militar na 2ª Auditoria Estadual. Um inquérito da Brigada Militar apontou o envolvimento de um sargento e de quatro soldados no assassinato de Vladimir. Um dos soldados não foi citado na denúncia do MP.
Além dos cinco, a Justiça Militar tornou mais quatro militares réus no caso, pelo crime de omissão de socorro. Estes réus estavam em um portão do condomínio enquanto os outros cinco abordavam Vladimir em outro. Segundo a denúncia, esses quatro teriam conhecimento da situação e não intervieram.
O crime
Na madrugada de 18 de maio, Vladimir foi abordado por policiais do 9º BPM quando chegava em casa, no condomínio Princesa Isabel, na área central de Porto Alegre. Segundo a investigação feita pela própria Brigada Militar, os policiais teriam torturado a vítima até a morte.
O relatório do inquérito policial militar (IPM) aponta que o objetivo da ação seria que Vladimir falasse "acerca da localização de armas e drogas no Condomínio Princesa Isabel".
O corpo de Vladimir foi encontrado dois dias depois, na beira do Guaíba, no bairro Ponta Grossa. A viatura utilizada pelos PMs teria ficado parada 42 minutos na ponte, no ponto onde o corpo de Vladimir teria sido arremessado na água. O fato motivou um protesto que acabou com dois ônibus queimados na Capital.

Investigação
Segundo o inquérito da Brigada Militar, o 2º sargento Felipe Adolpho Luiz e o soldado Lucas da Silva Peixoto teriam torturado Vladimir até a morte — eles estão presos.
Outros dois soldados, Maicon Brollo Schlumpf e Bruno Pinto Gomes, foram indiciados por terem deixado de intervir nas agressões. A soldado Dayane da Silva Souza foi indiciada por não ter acionado socorro.
A Justiça Militar entende que "não há indícios ou elementos de prova que indiquem que os investigados tenham agido com o dolo (intenção) de matar". A conclusão é de que se trata de um caso de tortura com morte, o que daria seguimento ao fato na esfera militar.
Entretanto, o Ministério Púbico, com base nos inquéritos das polícias Civil e Militar, denunciou quatro PMs: Felipe Adolpho Luiz, Lucas da Silva Peixoto, Maicon Brollo Schlumpf e Dayane da Silva Souza pelo homicídio qualificado, "mediante socos, chutes e golpes de instrumento contundente, causando-lhe sofrimento físico e mental", e por ocultação de cadáver.
As qualificadoras são motivo torpe com emprego de meio cruel tortura e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima.
Conforme a denúncia, o motivo torpe pelo qual os quatro denunciados cometeram o delito foi "em razão de a vítima não lhes ter informado locais em que criminosos guardavam armas e drogas, informação que supunham ser do conhecimento do ofendido".
O MP não considerou que Vladimir fosse um dos criminosos e nem deu certeza se ele teria conhecimento da informação pela qual foi torturado para revelar. Além disso, a denúncia afirma que os agentes "impuseram à vítima intenso sofrimento físico diante da desmedida reiteração de golpes e, em seguida, deixaram o ofendido gravemente ferido ao relento sobre a Ponte Móvel do Guaíba, em noite fria e chuvosa, revelando brutalidade fora do comum".
Contraponto
Os advogados Mauricio Adami Custódio e Ivandro Bitencourt Feijó, que representam o sargento Felipe Adolpho Luiz e o soldado Lucas da Silva Peixoto enviaram nota à reportagem:
"A defesa do Sgt. Felipe e do Soldado Lucas entende que há desproporção na prisão preventiva deles. Em todas as manifestações dos Juízes não é possível entender essa diferença sobre os motivos de dois policiais estarem presos enquanto outros dois seguem soltos. Não é lógico o raciocínio. E, diante da primeira audiência, foi possível notar que as testemunhas ouvidas escancaram a total credibilidade das versões de Felipe e de Lucas quando foram ouvidos pelo Delegado de Polícia. Excluem eles do fato e colocam na mira da Justiça a participação do Policial que tentou desviar o foco das investigações ao criar uma história que lhe favorecesse e lhe isentasse da responsabilidade das agressões. Temos no processo provas concretas que apontam para a não participação de Felipe e de Lucas nos fatos da denúncia e contradizem completamente a versão do policial corréu. Além disso, pende de julgamento no Superior Tribunal de Justiça recursos que podem modificar o rumo do processo. No mais, aguardamos a próxima audiência que será decisiva em vários aspectos."
Representando a defesa do soldado Maicon Brollo, advogado Fábio Silveira enviou nota à reportagem:
"A defesa de Maicon Brollo acompanha o andamento do processo e a prova indica que ele não participou ou aderiu a qualquer ato sequer semelhante ao referido na denúncia e segue atenta aos próximos passos do processo. A duração do procedimento criminal é a necessária para depuração da prova indiciária com a amplitude defensiva e respeito às garantias constitucionais dos acusados."
A soldado Dayane da Silva Souza é representada pelo advogado Jader Santos, que não retornou o contato até a publicação desta reportagem. O espaço está aberto para manifestações.
* Produção: Camila Mendes