Um dos pontos que ainda deve ser esclarecido pela investigação num dos casos policiais mais emblemáticos da história gaúcha é em que momento Deise Moura dos Anjos, 42 anos, teria envenenado a farinha usada para a produção de um bolo, em Torres, no Litoral Norte.
A mulher está presa de forma temporária, por suspeita de ter provocado a morte de quatro pessoas da própria família, três delas após comerem um bolo no último dia 23 de dezembro, durante uma confraternização. Outras três pessoas chegaram a consumir o doce, mas sobreviveram, entre elas, um menino de 10 anos, e a sogra de Deise, Zeli Teresinha Silva dos Anjos, 61 anos, responsável por fazer o bolo para os familiares.
Segundo a polícia, o sogro de Deise também morreu envenenado por arsênico (mesmo veneno encontrado na farinha e no bolo) em setembro — a conclusão ocorreu após a exumação do corpo do idoso, que inicialmente teve a morte constatada como resultado de uma intoxicação alimentar.
Um dos passos importantes da investigação em andamento é detalhar como se deu a dinâmica que resultou no envenenamento do bolo. Para isso, segundo a delegada regional do Litoral Norte, Sabrina Deffente, ainda é aguardada a conclusão de algumas provas.
— Essa é uma questão que ainda estamos analisando através dessas outras provas. Sabemos que foi encontrado arsênico na farinha e que o bolo foi feito com a farinha. O momento em que ela esteve na casa e como se deu isso está sendo analisado — diz a delegada.
A comprovação do envenenamento pelo bolo foi resultado de análises do Instituto-Geral de Perícias (IGP). Os peritos encontraram altíssimas concentrações do veneno na amostra coletada no doce. Da mesma forma, a perícia conseguiu apontar que a farinha estava envenenada com arsênico, após a análise de uma série de alimentos recolhidos na casa de Zeli.
No caso do envenenamento do sogro, por exemplo, a polícia já sabe com certeza que a Deise esteve na casa um dia antes dele passar mal, em 31 de agosto de 2024. Segundo a investigação, a nora levou bananas e leite em pó para os sogros. No dia seguinte, Zeli e Paulo, marido dela, consumiram os alimentos e passaram mal. Paulo chegou a ser hospitalizado, mas não resistiu e morreu no dia 2 de setembro. Já em relação ao bolo, essa dinâmica ainda precisa ser detalhada.
Mais celulares analisados
Outro passo da investigação neste momento é a análise de outros aparelhos celulares apreendidos. Com Deise, os policiais apreenderam o telefone que ela estava usando atualmente, mas também foram encontrados, na casa dela, outros aparelhos mais antigos. Esses celulares estão passando por análise para verificar se ali também há alguma prova em relação aos casos.
— Nossa prioridade era analisar o celular da Deise, mas outros celulares estavam na casa, mais antigos, e agora isso também precisa ser verificado — diz a delegada.
No aparelho de Deise, foram encontradas diversas pesquisas pelo termo "arsênio". Segundo a delegada Sabrina, a investigada pesquisou na internet uma receita de veneno que fosse inodora e insípida. A polícia apontou também trocas de mensagens, nas quais a suspeita teria tentado dissuadir a família de buscar respostas sobre a morte do sogro.
Ainda que a autoria do crime seja considerada esclarecida pelos policiais, a polícia acredita que pode encontrar novas pistas sobre o crime nos outros aparelhos apreendidos.
A investigação trabalha também em novos depoimentos, como do marido de Deise, que até o momento é considerado como testemunha. Somente a mulher é investigada pelos crimes, com base no que foi apurado até então. A própria Deise deve ser ouvida novamente pela polícia, após serem reunidas as provas do caso.
Segundo a delegada, a polícia conseguiu apontar como se deu a compra do arsênico. Deise fez quatro compras de veneno num período de cinco meses: uma antes da morte do sogro e outras três depois. O produto — com venda proibida no Brasil — teria sido adquirido pela internet e recebido por meio dos Correios. A polícia ainda não informou se a pessoa responsável pela venda também poderá vir a ser responsabilizada.
Outros casos investigados
Durante a coletiva realizada na manhã de sexta-feira (10), a Polícia Civil informou ter "fortes indícios de que ela tenha praticado outros envenenamentos". Caso isso se confirme, segundo a delegada, deve ser aberto novo inquérito, já que esses casos não teriam acontecido em Torres, onde morreram as três pessoas que ingeriram o bolo.
A polícia não quis detalhar, neste momento, se os casos seriam mais recentes ou antigos, nem mesmo quantos episódios são apurados. Conforme a delegada, não necessariamente se tratam de mortes, já que há suspeitas de envenenamentos nos quais as vítimas teriam sobrevivido. Os policiais evitam, no entanto, dar detalhes sobre os casos suspeitos, já que essa investigação ainda está em fase inicial.
Caso algum fato tenha resultado em morte, a polícia poderá pedir a exumação do corpo, da mesma forma que foi realizado com o sogro. Segundo o IGP, é possível constatar a presença de arsênio no corpo de vítimas, mesmo após anos, já que é uma substância que demora a se degradar.
Contraponto
A defesa de Deise afirma que "as declarações divulgadas na coletiva de imprensa ainda não foram judicializadas no procedimento sobre o caso", portanto "aguarda a integralidade dos documentos e provas para análise e manifestação".
Nota da defesa na íntegra
"O escritório Cassyus Pontes Advocacia representa a defesa de Deise Moura dos Anjos no inquérito em andamento sobre o fato do Bolo, na Comarca de Torres, tendo sido decretada no domingo a prisão temporária da investigada.
Todavia, até o momento, mesmo com o pedido da Defesa deferido pelo judiciário, ainda não houve o acesso ao inquérito judicial.
A família, desde o início, colabora da investigação, inclusive com o depoimento de Deise em delegacia, anterior ao decreto prisional.
Cumpre salientar que as prisões temporárias possuem caráter investigativo, de coleta de provas, logo ainda restam diversos questionamentos e respostas em aberto neste caso, os quais não foram definidos ou esclarecidos no inquérito."