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O abandono de uma criança pelo próprio pai dentro de um ônibus no Vale do Paranhana levou à descoberta de um segundo crime, um feminicídio ocorrido em Porto Alegre. No fim de outubro, o menino, então com três anos, que sofre de Síndrome de Apert — condição rara que causa formações atípicas no corpo — e faz uso de sonda para alimentação, foi deixado no coletivo. Três meses depois, o pai continua preso e responde também pelo assassinato da companheira (veja abaixo a cronologia do caso).
A polícia passou a investigar o abandono do garoto e descobriu que pai e filho tinham embarcado na rodoviária da Capital às 17h daquele mesmo dia, numa viagem em direção a Gramado. Durante o trajeto, por volta das 19h, no município de Três Coroas, o homem de 25 anos desembarcou e deixou o menino sozinho. Quando a situação foi percebida pelos ocupantes do ônibus, a polícia e os bombeiros foram acionados.
Pelas imagens das câmeras de segurança, policiais descobriram que o pai havia deixado a rodoviária e seguido em direção a uma clínica de reabilitação. Ao ser ouvido, ele alegou que deixou o filho no ônibus porque não tinha condições de criá-lo. O menino foi levado ao hospital com febre, sujo e em condições de maus tratos, onde passou por exames. O Conselho Tutelar também foi acionado e passou a acompanhar o caso.
Feminicídio
Segundo o delegado Ivanir Caliari, de Três Coroas, após a prisão do pai, inicialmente a polícia buscou apurar também a responsabilidade da mãe, que era suspeita de ter participado do abandono. No entanto, a mulher, de 29 anos, não foi localizada nos primeiros dias. Uma semana depois, o corpo da mãe do menino foi encontrado dentro da casa onde ela vivia com o companheiro e o filho, no bairro Lami, na zona sul de Porto Alegre.
O cadáver foi localizado pela Polícia Civil, escondido em um saco plástico, debaixo da cama do casal. Vizinhos acionaram a polícia após suspeitarem do mau cheiro que exalava da moradia. A casa estaria trancada desde o dia em que o homem deixou o local com o filho para embarcar no ônibus.
Moradores das proximidades relataram que o pai disse que a companheira havia ido embora de casa e pediu ajuda para entrar em contato com o Conselho Tutelar, pois não tinha condições de cuidar do filho, em razão das necessidades especiais da criança. Somente após sentir o cheiro vindo da casa é que os vizinhos passaram a desconfiar da versão dele.
Diante disso, a polícia passou a suspeitar que o companheiro tivesse assassinado a mulher e tentado fugir. Os nomes dos envolvidos não são divulgados para preservar a identidade da criança, em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Segundo a Justiça, o homem responde atualmente pelo feminicídio, além do abandono do filho. A investigação da 1ª Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) da Capital concluiu que ele asfixiou a mulher até a morte. Ele também teria batido a cabeça da vítima contra a parede, causando lesões graves em seu crânio.
Cronologia do caso
- Após a prisão por abandono de incapaz, o homem foi liberado mediante habeas corpus, no dia 28 de outubro.
- Depois da descoberta do feminicídio, foi decretada a prisão preventiva dele.
- O investigado foi encontrado novamente pela polícia numa fazenda de recuperação de dependentes químicos, em Três Coroas, no dia 30 de outubro, e continua preso desde então.
- No mesmo dia, a Polícia Civil de Três Coroas encerrou o inquérito que investigou o abandono do menino e indiciou o pai pelo crime.
- No dia 5 de novembro, o homem foi indiciado pela Polícia Civil pelo feminicídio da mãe da criança.
- No início deste ano, segundo o Tribunal de Justiça, ele foi denunciado pelo Ministério Público e, em 9 de janeiro, se tornou réu pelo assassinato da mulher.
- O réu foi citado e pediu para ser nomeada a Defensoria Pública do Estado para sua defesa. O prazo para resposta à acusação está em andamento.
Guarda do menino
No dia 24 de outubro, a juíza Gabriela Irigon Pereira concedeu liminarmente a guarda provisória do menino ao avô paterno. O familiar foi atendido pelo projeto Justiça Itinerante, no bairro Belém Novo. Segundo o Judiciário, atualmente há um processo tramitando no 2º Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre relativo à guarda do menino, movido por um familiar. Não foram repassados detalhes, por se tratar de segredo de justiça.
Contraponto
A reportagem entrou em contato com a Defensoria Pública do Estado, que informou que, "em razão do sigilo no processo", se manifestará apenas nos autos.