Nova Santa Rita, município da Região Metropolitana com atmosfera interiorana devido à sua vasta área rural, teve a tranquilidade abalada nesta semana. Um de seus cerca de 30 mil habitantes foi apontado pela Polícia Civil como o principal suspeito em um dos casos criminais mais rumorosos do Rio Grande do Sul nos últimos tempos.
Zero Hora esteve no município nesta sexta-feira (10) para ouvir vizinhos de Deise Moura dos Anjos, de 42 anos, presa em 5 de janeiro, sob a suspeita de envenenar alimentos, resultando na morte de quatro membros da mesma família. Entre os itens contaminados, estava um bolo de reis, iguaria tradicionalmente consumida pelos familiares durante as festividades natalinas, que resultou na morte de duas irmãs e uma terceira familiar.
— É um caso horroroso. Por aqui, é só o que falam. Todos ficaram chocados. Algumas clientes conheciam ela. Ninguém acreditou que ela poderia ter feito isso, porque ela era cheia de fé — contou um comerciante do centro da cidade, que preferiu não se identificar.
No Bairro Berto Círio, onde Deise vivia com o marido, Diego Silva dos Anjos, e o filho de nove anos, a incredulidade é igualmente presente. Vizinhos comentam o caso de maneira discreta. Segundo eles, a família aparentava ser livre de problemas e bem relacionada.
— Parecia um casal feliz. O menino costumava brincar na frente do pátio, jogar bola com o pai. Nunca escutei ou presenciei brigas deles. Também nunca achei que a pessoa que fez isso pudesse morar aqui — analisa um vizinho, que aceitou conversar com a reportagem sob anonimato.
A atendente de uma loja próxima ao 3º Batalhão de Suprimentos do Exército, na região da residência da família, reforçou a boa imagem que Deise aparentava, classificando-a como "uma pessoa querida". Ela teria atendido a suspeita algumas vezes no último ano, ocasiões em que a mulher demonstrava fácil trato, desenvoltura social e boa relação com o filho.
— Ela era muito simpática, muito educada, passava tranquilidade. Aparentemente, ela era super centrada, estudiosa. Fiquei apavorada quando descobri que era ela — revelou a mulher, que também preferiu não se identificar.
Família estudava deixar cidade após primeira morte
Conforme outra moradora da região, a família se instalou em Nova Santa Rita há cerca de cinco anos. Eles haviam adquirido uma propriedade há mais tempo, contudo, em razão do trabalho do marido de Deise, que atua em uma empresa de máquinas agrícolas, eles teriam ido morar no Paraná por cerca de três anos. Quando voltaram para o RS, terminaram de construir a casa onde residiam até então.
Em setembro, Deise comunicou à essa moradora que seu sogro, Paulo dos Anjos, havia falecido após ingerir uma banana proveniente da enchente que assolou Canoas, cidade da Região Metropolitana que ele morava com Zeli Teresinha dos Anjos, a sogra, até a tragédia climática. Por isso, Deise afirmou que estaria estudando sair da cidade com a família. O destino, entretanto, não foi informado.
— Ela me falou que estavam pensando em vender a casa, porque a família estava muito abalada com a morte do sogro. E aí ela me descreveu tudo, que ele tinha comido as bananas da enchente e morrido intoxicado. Eu achei estranho porque nunca fui íntima dela — disse a mulher, que acredita que a suspeita estaria buscando espalhar essa "versão".
Silêncio impera na casa da suspeita
A casa, de pátio extenso e ainda enfeitada com luzes natalinas, ficou abandonada após o Natal, quando autoridades apareceram na casa. Foi na mesma época que os parentes do marido de Deise foram hospitalizados e ocorreram as primeiras mortes em decorrência do arsênio, veneno presente no tradicional bolo natalino degustado pela família.
A reportagem de Zero Hora esteve nesta sexta no local. Apesar de um carro Fiesta de cor preta estar estacionado dentro do pátio e dois cachorros de pequeno porte latirem no portão, ninguém atendia.
Vizinhos alegam que ninguém da família pisa lá desde dezembro. Segundo eles, no entanto, uma aparece lá eventualmente para alimentar os cães.
Quem é Deise Moura dos Anjos
Gestora financeira formada pela Universidade La Salle, Deise está desempregada. Seu último ofício foi como secretária-executiva de um escritório de advocacia do qual saiu em 2023, mesmo ano em que concluiu a graduação.
Aos 42 anos, já trabalhou como auxiliar de contabilidade e auxiliar administrativa em Canoas e em Nova Santa Rita, seu domicílio atual. Por conta do serviço de Diego, o casal morou também em Indaiatuba, no interior de São Paulo, e em Catalão (GO), onde viveu entre 2013 e 2017 com a mudança custeada pelos pais de Diego. Ela foi classificada como dissimulada e manipuladora pelos parentes do marido.
Relembre o caso
Um bolo de reis, iguaria natalina, causou a hospitalização de seis pessoas da mesma família e levou à morte três delas, em Torres, no Litoral Norte. Todas as vítimas consumiram o doce no dia 23 de dezembro, em uma confraternização de Natal.
Investigação da Polícia Civil apontou que a farinha utilizada no preparo do alimento estava envenenada com arsênio e que a suspeita de ser responsável pela contaminação do item é Deise Moura dos Anjos, nora da idosa que fez o bolo, Zeli Teresinha Silva dos Anjos. A mulher está presa temporariamente desde o dia 5 de janeiro.
Uma quarta pessoa da família, morta em setembro, supostamente por intoxicação alimentar, também foi envenenada, conforme o Instituto-Geral de Perícias (IGP) após exumação do corpo. Trata-se do sogro da suspeita presa, que teria levado bananas e leite em pó para a casa de Paulo Luiz dos Anjos antes de morrer.
Deise não participou da reunião familiar no Litoral Norte em dezembro. Na ocasião, ela, o marido, e o filho estavam na casa onde moram, em Nova Santa Rita. Segundo a polícia, o marido não é investigado porque não há nenhum indício de que ele poderia tentar algo contra a mãe. Ele irá prestar novo depoimento, ainda como testemunha. A polícia investiga se há outras vítimas, e mais um corpo pode ser exumado.
A motivação de Deise, conforme a polícia, seria uma desavença com a sogra. O conflito teria aumentado depois que, em agosto de 2004, a sogra sacou dinheiro de uma conta do filho, "sem autorização", segundo descreveu Deise para a polícia. O valor foi devolvido, "mas a relação nunca mais foi a mesma".