Em janeiro do ano passado, após passar mal, uma jovem buscou atendimento médico em Sério, no Vale do Taquari. Foi quando fez um teste e descobriu que estava grávida do namorado, com quem mantinha relacionamento havia pouco mais de seis meses. Os dois tinham se conhecido numa festa e começado a namorar. Um ano depois, na manhã dessa segunda-feira (20), ela e o rapaz, de 20 anos, foram presos pela polícia, por suspeita de assassinar a filha recém-nascida, atear fogo e ocultar o corpo dela.
Logo após ser informado sobre a gestação, o namorado teria insistido para que ela realizasse um aborto, oferecendo-se para fazer um Pix e custear o procedimento ilegal. A jovem chegou a realizar pesquisas na internet sobre o tema e indagou algumas pessoas a respeito. Nenhum dos dois tinha filhos até então e nem qualquer envolvimento criminal, segundo a polícia.
— Ele costumeiramente a ameaçava porque era categórico em dizer que não queria filho. Ela mesma disse no último depoimento que ele queria abandoná-la e que não queria a criança. Ele falou que era muito cedo para terem um filho, que aquele não era o momento — detalha o delegado Humberto Messa, responsável pela investigação.
Depois disso, os dois passaram a morar juntos numa casa simples, na área central do município de 1,9 mil habitantes. De famílias humildes, ela trabalhava num supermercado e ele numa madeireira. Ao longo dos meses, mantendo a gravidez em sigilo, por algumas vezes, a mulher foi questionada por familiares e outras pessoas próximas se não estava grávida. A mãe e a irmã chegaram a aconselhar que ela realizasse um teste.
Segundo os relatos obtidos pela polícia, a jovem teria desconversado sobre o assunto, alegado que estava com sobrepeso e negado a gestação. Conforme a polícia, ela relatou ter medo de falar sobre a gravidez porque uma irmã, mais velha, passou por uma gestação precoce e sofreu com isso. No trabalho, a gravidez também passou praticamente despercebida.
O parto
Na noite de 12 de setembro do ano passado, a mulher entrou em trabalho de parto em casa. Segundo o relato dela e do companheiro, ela permaneceu horas no banheiro da residência, enquanto ele estava no quarto. Entre aquela noite e a madrugada, deu à luz uma menina, com 2,350 quilos e 46 centímetros. Ouvida por três vezes pela polícia, a mulher alegou que a criança chegou a abrir os olhos, mas não teve mais reações.
A apuração da Polícia Civil e os laudos do Instituto-Geral de Perícias (IGP) levaram a investigação a concluir que a morte da recém-nascida se deu de outra forma. Para a polícia, a mulher usou uma faca de serra, de cozinha, para degolar a filha dentro do banheiro. Depois disso, o corpo da menina teria sido enrolado em meio a tecidos e ao lixo do banheiro. A polícia acredita que a mulher limpou o sangue com a água do chuveiro.
O cordão umbilical da bebê foi recolhido pelos policiais, do lado de fora da casa, após ter escoado pelo ralo. Na manhã seguinte, uma sexta-feira, a mulher seguia apresentando sangramentos. Em razão disso, o companheiro pediu ao pai que a levasse para atendimento hospitalar, pois ele precisava trabalhar. O pai do rapaz não saberia da gestação — a jovem alegou que estava com cólicas fortes em razão do período menstrual.
Por conta da gravidade do caso, ela precisou ser transferida de Sério para o Hospital de Estrela, a cerca de 50 quilômetros dali.
Descoberta do crime
Durante o atendimento em Estrela a equipe médica percebeu que havia sinais de parto. No entanto, a jovem negava que a filha tivesse nascido. Até então, ela alegava ter sofrido um aborto espontâneo. O caso foi comunicado à polícia, que passou a investigar um possível crime de aborto na segunda-feira seguinte, dia 16 de setembro.
No mesmo dia, os policias ouviram a mulher e o companheiro dela. Ele acabou admitindo que dois dias antes, no sábado, havia transportado o corpo da filha enrolado em trapos, toalhas e outros materiais do banheiro, dentro de um saco, no porta-malas do veículo, até uma área usada para descarte de lixo. Neste local, teria ateado fogo ao saco, e as chamas acabaram atingindo parte do corpo do bebê. O homem teria pego um novo saco, colocado o corpo da menina, e arremessado para uma área de mata, onde o cadáver foi encontrado pelos policiais.
A polícia foi até a moradia do casal, onde buscava inicialmente medicamentos, que pudessem ter sido usados no aborto. Dentro do banheiro, recolheram a faca, que foi encaminhada para perícia – num primeiro momento, suspeitava-se que tivesse sido usada somente para cortar o cordão umbilical. A análise do corpo da menina confirmou que ela apresentava um corte no pescoço. A polícia passou a se ver diante de uma dúvida: se a bebê havia nascido com vida ou não.
— A perícia conseguiu apontar que a criança nasceu viva e que a causa da morte foi o sangramento, decorrente do corte no pescoço — explica o delegado.
A análise de DNA na faca apreendida identificou material genético da bebê e da mãe. A mulher chegou a ser submetida a avaliação de uma psiquiatra forense, para verificar a possibilidade de ela ter matado a filha durante o estado puerperal (perturbação psicológica que a mãe sofre entre o deslocamento e expulsão da placenta e a volta do organismo materno às condições normais). Segundo o delegado, a análise descartou essa possibilidade e indicou que ela tinha capacidade de compreender os próprios atos.
Denunciados
Ainda que não tenha sido encontrada prova de que o companheiro estivesse dentro do banheiro no momento em que a mulher teria matado a criança, a polícia entendeu que ele também teve participação no crime. Os dois foram presos de forma preventiva nessa segunda-feira, na casa da mãe do suspeito.
Os dois foram denunciados pelo Ministério Público por homicídio qualificado (por motivo torpe, fútil e emprego de meio cruel), além de crimes de fraude processual e de ocultação de cadáver. Sobre o pai, o MP entendeu que, além de não tomar nenhuma providência para impedir o assassinato, ele ateou fogo ao corpo da criança e o ocultou.
O que diz a defesa do casal
Procurada pela reportagem de Zero Hora, a defesa do casal, representada pelos advogados Gustavo Bretana e Ana Paula Krug, enviou a seguinte manifestação:
Os acusados sempre estiveram à disposição da investigação, sendo ambos ouvidos pela autoridade policial, com o objetivo de colaborar com o esclarecimento dos fatos.
As alegações apresentadas pelo órgão acusador não refletem a realidade, o que será devidamente demonstrado durante a instrução processual.
Neste momento, a prioridade é o restabelecimento da liberdade, para que respondam ao processo e, se ao final for o entendimento, que a punição seja pelo que de fato ocorreu, sem excessos.
Entrega Responsável
O artigo 13, parágrafo 1º do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) diz que: "as gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas, sem constrangimento, à Justiça da Infância e da Juventude."
A Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (CIJRS) lançou, em 2017, o Projeto Entrega Responsável para auxiliar mulheres que não podem ficar com seus bebês por alguma razão, seja ela desemprego, pobreza, ausência de apoio familiar, medo do abandono, insegurança, falta do desejo de ser mãe, entre outros.
O encaminhamento ao serviço pode ser feito pelo Juizado da Infância e Juventude, assistência social ou Conselho Tutelar de cada município. A criança será entregue após o nascimento e a mãe será ouvida em audiência na qual manifestará o desejo de colocar o bebê para adoção.
Quem tiver dúvidas ou precisar de auxílio pode entrar em contato com a equipe da CIJRS do TJRS pelo e-mail cijrs@tjrs.jus.br ou pelos telefones (51) 3210-7318 ou (51) 3259-3859.