Ao longo da investigação que combate uma quadrilha especializada em roubos de carga de cigarro, a Polícia Civil teve acesso a mensagens e áudios que teriam sido trocadas entre os envolvidos (ouça acima). O conteúdo mostra conversas entre supostos executores dos roubos, um ex-funcionário de uma grande empresa do ramo e até empresários combinando detalhes de assaltos e revenda das cargas, conforme a apuração policial.
Em uma das conversas obtidas, as mensagens teriam sido trocadas entre Carlos Eduardo Padilha, 41 anos, ex-motorista de uma grande empresa da área, e o empresário Volnei da Silva Medeiros, dono de um posto de combustíveis em Gravataí. A reportagem tenta localizar a defesa dos suspeitos para contraponto.
Em uma operação desencadeada na madrugada desta quarta-feira (6) contra o grupo, seis alvos foram localizados e detidos, incluindo Medeiros. Eles foram encaminhados para a colocação de tornozeleira eletrônica. Outros três, que já estavam recolhidos no sistema prisional, também foram comunicados sobre as novas medidas cautelares — Padilha faz parte desse grupo. Outros três alvos estão foragidos. Ao longo da ação, outras duas pessoas foram presas em flagrante por contrabando de cigarros do Paraguai e por porte ilegal de arma.
Conforme a polícia, Padilha foi desligado da empresa de cigarros em maio do ano passado e teria passado a praticar os roubos junto a quadrilha. Em julho de 2022, câmeras de segurança registraram o homem abordando um motorista de uma empresa para roubar a carga, segundo a investigação.
Em junho do ano passado, em uma das conversas obtidas pela polícia, Medeiros encomenda um roubo de cargas junto a Padilha, porque estaria com pouco estoque de cigarros na loja de conveniência do posto. Ele teria questionado se receberia os produtos roubados ou se precisaria encomendar junto a empresa, regularmente:
"Mas é 100% certeza? Não vou fazer pedido pra (nome de empresa)”
Depois, complementa: “To zerado na loja”
No dia seguinte, ele diz:
“Mano primeiro me larga as cxs (caixas). Não voi (vou) ficar de bobalhão”
Então, Padilha tresponde:
"Oh meu, mas tu vai ter dinheiro pra dar pro guri aí?"
Medeiros responde: "Sim".
Assalto combinado
Conforme a polícia, Padilha combinava a entrega dos produtos roubados com mais pessoas. Uma delas seria o dono de um estabelecimento comercial na Região Metropolitana. Por mensagens, Padilha teria pedido que o homem fizesse uma compra de cigarros de uma empresa, em pouca quantidade, para que, no momento da entrega, o grupo efetuasse o roubo. Em troca, o comerciante receberia R$ 1,5 mil. A troca de mensagens teria ocorrido em 20 de junho do ano passado.
Padilha teria mandado a seguinte mensagem:
"Oh mano, pensa bem, tá pensando pequeno. Posso te largar bem mais grande. Tu dando apoio nesse bagulho aí, ó, te largo um barão e meio já só pra ti, se (sem) fazer nada, só precisa pedir o bagulho. É só tu ligar e pedir que eu te dou um e quinhentos na tua mão. Não quero nada, é só tu fazer isso cara. Quando o cara (motorista da empresa que entrega a compra) for encostar aí, a gente encosta, ele larga as caixa tudo no chão aí, fica mais barbada. Aí tu ta aí num desespero desde sexta aí, tá desesperado pa vende esse bagulho aí, sendo que já podia ter feito isso aí e ter ganhado dinheiro aí sem fazer nada, sem faze nada, só ter feito o pedido.”
O comerciante responde:
"Pedi oq, uns 4 pacoti."
E Padilha teria afirmado:
"Eu te dou um e meio se tu fize essa caminhada pa nois aí, é só tu faze o pedido de cigarro, da um toquezinho pra eles, ó meu só tem que me entregar de manhã cedo, deu! Ó vai vim tal dia, os cara vão me entregar. Vou alí bum bum vendo e te dou um barão e meio. É só tu faze mano, é simples o baguio, aí tu fica num rolo aí, fica querendo vende teu bagulho aí nem vai precisar vender teu troço aí. Ó pede um (marca de cigarro) no azul, pode ser um pacote de (marca de cigarro) azul, um (inaudível) e um (marca de cigarro), eles vão te vender. Ó quero um de cada pra eu começar... seguinte os cara não vão nem te entregar. Quando os cara encostar eu já: blum, já foi! O bagulho é barbada, simples."
Cinco dias depois, em nova mensagem, Padilha teria afirmado:
"Amanhã eu vou sair cedo de novo. Tem que tá esperto! Amanhã é dia de ganha dinheiro"
Conforme a polícia, em maio do ano passado, Padilha foi desligado da empresa de cigarros onde atuava como motorista. Então, ele teria passado a praticar os roubos com a quadrilha.
— Dessa forma, além do repasse de informações privilegiadas obtidas da empresa onde era funcionário, ele passou depois a ser autor imediato dos crimes, rendendo os motoristas e roubando a carga de cigarro. Somente dois roubos realizados por ele superam a quantia de R$ 30 mil — afirma a delegada Isadora Galian, que coordena a investigação e a ação desta quarta.
Conforme a investigação, nos roubos, os criminosos interceptam o furgão carregado com o produto durante o trajeto do depósito das empresas até os lojistas, em via urbana. Depois, rendem os motoristas e os fazem conduzir o veículo até uma rua mais deserta, onde descarregam as caixas de cigarro para o carro da quadrilha. Em alguns casos, os condutores são obrigados a ajudar a descarregar a mercadoria e trocá-la de veículo.
Tornozeleira abandonada
Um dos alvos da operação é um homem de 31 anos que teria 12 antecedentes por homicídio doloso, além de registros por roubos a residência e a motoristas. A polícia fez buscas em endereços onde ele poderia estar, mas o suspeito não foi localizado e é considerado foragido.
Em Gravataí, em um desses endereços, a polícia afirma ter encontrado uma tornozeleira rompida, deixada no imóvel. As equipes irão confirmar se o aparelho é do homem ou se poderia ser de um terceiro.
Para a diretora do Deic, delegada Vanessa Pitrez, a apreensão do equipamento, abandonado, confirma que a instalação de tornozeleiras nos alvos não é suficiente para impedir novos roubos.
— Acreditamos que essa tornozeleira é de um dos coordenadores operacionais desses roubos. O aparelho estava rompido, dentro da casa dele. É uma prova clara de que esse tipo de medida judicial não tem efetividade para criminosos de grupos criminosos, com prática de delitos violentos. o monitoramento não tem se mostrado eficaz para esses indivíduos — avalia Pitrez.
De acordo com o Deic, as equipes pediram pela prisão preventiva das 12 pessoas em agosto, “por todo arcabouço probatório obtido no decorrer do inquérito policial”. No entanto, o Poder Judiciário entendeu que medidas cautelares diversas da prisão — ou seja, o monitoramento eletrônico — seria suficiente para evitar que os envolvidos voltem a cometer os crimes. A decisão judicial saiu em dezembro, dias antes da operação desta quarta.
O retorno judicial, neste caso, gerou frustração, pontua o delegado Eibert Moreira Neto, o diretor da Divisão de Investigação do Deic.
— É algo muito frustrante. Essa investigação está protocolada no Poder Judiciário desde agosto, quando foram pedidas as prisões. A resposta veio só agora, apesar de o pedido ter caráter de urgência. Deveriam ser apreciadas com a maior brevidade possível, o que não ocorreu. Quando veio a decisão, se determinou pelo monitoramento, não pela prisão. Mesmo que esses casos investigados não tenham registrado violência física contra as vítimas, houve emprego de arma de fogo. Vemos também que o nível de violência vem aumentando em casos mais recentes, com quadrilhas utilizando fuzis durante os roubos — pondera o diretor.
O delegado afirma que alguns dos alvos da operação desta quarta têm passagens por crimes violentos, como homicídio. Um deles teria 13 antecedentes por este delito.
Procurada para esclarecimento sobre a decisão que optou pelas tornozeleiras, a comarca de Gravataí informou que "o processo tramita em sigilo". "A magistrada informa que a delegada de polícia ainda não apresentou relatório de cumprimento das diligências realizadas, sendo inviável prestar maiores esclarecimentos", diz a nota (leia integra abaixo).
O departamento afirma que organizações criminosas se utilizam do roubo de cargas para buscar uma rápida capitalização e utilizar o dinheiro para comprar armas visando enfrentamento com grupos rivais por pontos de venda de drogas e fortalecer a facção.
Apesar de uma queda de cerca de 35% nos roubos a motoristas que fazem entregas de cigarro, esta segue sendo a carga mais visada por criminosos, de acordo levantamento feito pela Divisão de Inteligência e Análise Criminal do Deic.
Isso ocorre em função da facilidade de comercializar o produto, pois pode ser vendido em diversos locais, como padarias, bancas de jornal e mercados. Além disso, o item possui alto valor comercial, trazendo lucro rápido a facções criminosas.
Contrapontos
O que dizem as defesas de Carlos Eduardo Padilha e Volnei da Silva Medeiros:
GZH não conseguiu contato com as defesas dos dois investigados.
O que diz o TJ-RS sobre os pedidos de prisão:
O processo tramita em sigilo e não há pedido, pela autoridade policial, para que os autos sejam tornados públicos.
A magistrada informa que a Delegada de Polícia ainda não apresentou relatório de cumprimento das diligências realizadas, sendo inviável prestar maiores esclarecimentos, sob pena de tornar ineficaz alguma medida que ainda possa estar em curso e que esteja a cargo da Polícia Civil.
Tão logo reduzido o nível de sigilo dos autos, será possível complementar as informações.