Terceira testemunha ouvida durante julgamento realizado em Planalto, o delegado Eibert Moreira Neto narrou como se deu parte da investigação da morte do menino Rafael Mateus Winques, 11 anos, em 2020. O policial integrou o reforço que rumou ao norte do RS, após Alexandra Salete Dougokenski confessar à polícia a morte do filho. O relato foi marcado por momentos de tensão e embates.
O delegado foi ouvido por meio de videoconferência, num depoimento que se iniciou pouco depois das 16h. O Ministério Público foi o primeiro a questionar o policial. Ao responder ao promotor Diogo Gomes Taborda, o delegado falou sobre a reprodução simulada dos fatos, perícia realizada para saber se a versão de Alexandra era verossímil. O delegado confirmou que a ré estava debilitada quando chegou a Planalto e precisou receber assistência da equipe médica. Foi necessário, segundo o policial, esperar ela se reabilitar para que fosse viável realizar a perícia.
— Constou aqui no processo que ela optou por não carregar o boneco. Como foi essa situação, por que foi o senhor que teve de carregar? — indagou o promotor Taborda.
— Ela estava debilitada, desde cedo. A gente acreditava que ela não teria condições de realizar a reprodução. Ela se recuperou, a gente deu início — informou, esclarecendo o motivo pelo qual Alexandra não teria transportado o boneco usado para simular o corpo de Rafael durante a perícia.
O MP indagou o delegado sobre as hipóteses apuradas, mesmo após a confissão da mãe. Eibert afirmou que a polícia verificou diferentes possibilidades, como a participação de terceira pessoa ou mesmo que Alexandra tivesse confessado o crime para proteger outra pessoa. Afirmou que todas essas linhas de investigação foram descartadas. Sobre a primeira versão de Alexandra, de que havia provocado a morte do filho, sem querer, ao administrar medicação, disse que isso levantou suspeitas.
— Qualquer mãe, qualquer pai, acreditando que seu filho tinha sido envenenado por medicamento que ele tinha ministrado, ia sair correndo, procurando socorro. (...) Se essa história fosse verdade, qualquer pai ou mãe saía correndo para levar para o hospital. E não amarrar numa corda e fazer transporte da criança para esconder. Ela poderia ter pedido ajuda. Se fosse meu filho, eu botaria no ombro e sairia correndo no meio da rua — afirmou Eibert.
Qualquer mãe, qualquer pai, acreditando que seu filho tinha sido envenenado por medicamento que ele tinha ministrado, ia sair correndo, procurando socorro.
EIBERT MOREIRA NETO
Delegado
O delegado afirmou que Alexandra alegou que não pediu socorro e resolveu esconder o cadáver de Rafael para que o filho mais velho não soubesse que ela havia provocado a morte do irmão dele.
— Existiam possibilidades várias e ela escolheu a pior delas, que era transportar a criança até a outra casa, e esconder a verdade — disse.
O depoimento do delegado foi marcado por diversos momentos de embate envolvendo o MP e a defesa da ré.
— Vamos prosseguir com objetividade, sem ataques — advertiu a juíza Marilene Campagna, que preside o júri.
Sobre a corda empregada para asfixiar o menino, o delegado disse que o mesmo tipo de nó foi localizado em outros pontos da casa de Alexandra. Durante um dos interrogatórios, a mãe teria reproduzido o mesmo nó num fio de mouse, conforme o delegado.
— Não foi possível desfazer aquele nó (no pescoço de Rafael) sem cortá-lo — explicou Eibert.
Um dos pontos que levantaram dúvidas diz respeito ao fato de o corpo do garoto ter permanecido mais de uma semana dentro de uma caixa sem exalar odores. Mesmo cães farejadores, empregados nas buscas, não localizaram a criança. O delegado disse não ter nenhuma dúvida de que o corpo permaneceu no mesmo local desde o início.
— Naquele período, estava muito frio em Planalto. Pelo que eu entendi dos médicos, a condição climática era muito favorável à conservação do cadáver e a forma como ele estava acondicionado. Por isso, o corpo permaneceu ali sem que se possibilitasse a localização — explicou.
Tensão
Sobre um dos interrogatórios de Alexandra, realizado no Palácio da Polícia, o delegado esclareceu que a ré foi levada horas antes para o local com intuito de reduzir a possibilidade de o procedimento gerar mobilização da imprensa, como havia ocorrido anteriormente. A defesa alega que a cliente foi levada antecipadamente para ser coagida pela polícia, que nega.
— Cheguei ao Palácio da Polícia próximo ao horário dos advogados — disse o delegado, que afirmou que a defesa de Alexandra estava presente na oitiva.
— O interrogatório, além de um ato investigativo, é um ato de defesa própria — afirmou.
O delegado narrou como Alexandra teria confessado, naquela oportunidade, ter assassinado o filho usando a corda de varal, e não somente com uso de medicação como havia dito antes.
— Ela disse: "fui até a área de serviço da minha casa, peguei uma corda e amarrei no pescoço dele. Apertei a corda, ele começou a asfixiar, se debater, ele caiu da cama. Quando ele caiu da cama, eu sai do quarto e quando voltei ele já estava morto". Nesses 13 anos como delegado de polícia e sete anos exclusivamente com homicídio nunca tinha tido oportunidade de ouvir algo de uma mãe falando sobre a morte de um filho. Acredito que talvez não ouça isso jamais — disse o policial, gerando manifestação da defesa.
A juíza chegou a intervir, ressaltando que a testemunha deve se ater aos fatos.
— Vamos tentar evitar impressões pessoais quando não for necessário. Testemunha não dá parecer, ela responde o que viu e o que ouviu — disse a magistrada.
O MP exibiu um vídeo realizado no mesmo dia do interrogatório na Capital, no qual o delegado aparece ao lado de Alexandra, que ampara o rosto sobre uma mesa. "Se acalma Alexandra, se acalma. Tu fez a coisa certa (confessar)", diz Eibert nas imagens.
O promotor questionou o advogado sobre essa cena, e o motivo de ele ter feito aquele gesto, amparando a ré.
— Ela foi constrangida pela defesa. Ao final do interrogatório, ela não quis mais continuar com a defesa, não quis nem falar com o advogado mais. Quando ela confessou, jogou para fora tudo que queria falar, os advogados ficaram inquietos na sala, a se trocar mensagens no WhatsApp — narrou Eibert, sendo interrompido imediatamente.
— Ele está mentido mais uma vez. Isso não é relevante. De onde ele tirou isso? Mentiroso — esbravejou o advogado Jean Severo.
— Ele sabe que esse depoimento foi tirado do processo, por Vossa Excelência — complementou o criminalista, referindo-se à magistrada.
— Doutor, caso entenda que o doutor Eibert faltou com a verdade, existe procedimento para apurar falso testemunho — ressaltou a juíza.
— Ele está mentindo. Cadê a prova? — seguiu Severo.
O promotor Taborda indagou se os advogados estavam inquietos. Severo voltou a interromper a fala do delegado.
— Tua mentira vai cair hoje aqui — gritou Severo outra vez, para o delegado.
Taborda retomou os questionamentos sobre o interrogatório.
— Ele está mentindo — gritou, Severo.
— Vamos só combinar uma coisa: deixa o doutor Eibert relatar. Vou permitir que seja reproduzido o vídeo e aí os jurados tiram as conclusões — disse a juíza.
Extração do celular
Logo depois, o delegado seguiu respondendo e falou sobre o que foi encontrados nos celulares de Alexandra e de Rodrigo — pai de Rafael. O delegado foi indagado sobre o tipo de vídeos pornográficos localizados nos aparelhos.
— No celular da Alexandra tinha algo característico com emprego de cordas, que foi o meio usado para praticar o homicídio do Rafael. No do Rodrigo também tinha vídeos de pornografia, mas nada que nos apontasse para o homicídio praticado contra a criança — detalhou.
Na última pergunta feita pelo MP, o delegado disse acreditar que o crime pode ter sido premeditado.
Defesa
Antes de dar início aos questionamentos, a defesa pediu para exibir o vídeo do interrogatório de Alexandra em Porto Alegre. Na gravação, Alexandra admite ter matado o filho, com uso de corda, em razão de ele não parar de mexer no celular.
"Eu tinha visto aquela caixa há alguns dias lá, não sabia se ela estava lá ou não. Tirei as coisas de dentro e coloquei ele deitadinho lá", afirma a ré no vídeo, sobre o local onde estava o corpo de Rafael. Na imagem, o advogado Jean Severo aparece por vezes sentado ao lado da cliente, enquanto ela narra com longas pausas como teria acontecido o crime.
"O Rodrigo teve alguma participação nisso?", indaga o delegado Eibert no vídeo. "Não, nenhuma", ela responde.
No interrogatório gravado, Alexandra permanece a maior parte do tempo com o olhar baixo, sem esboçar reações. No plenário, nesta segunda-feira, enquanto o vídeo era exibido, a ré permanecia de cabeça baixa, com a mão sobre a testa. "Não estou me sentindo muito bem", disse Alexandra no vídeo.
Na gravação, o advogado aparece diversas vezes dizendo para a cliente não assinar o documento com a confissão.
Assim como aconteceu com o delegado Ercílio Carletti, os advogados insistiram em questões que tentam imputar ao pai do garoto condutas criminosas, como porte de arma e armazenamento de imagens de pedofilia. Eibert respondeu que não tinha conhecimento dos conteúdos e que não foi encontrada evidência de crime cometido pelo pai. O momento levou a novo embate, dessa vez entre a testemunha e o advogado Severo, que precisou ser interrompido novamente pela magistrada.
Segundo dia de julgamento
Ainda existem pelo menos oito testemunhas para serem ouvidas. Entre elas, estão o ex-namorado de Alexandra, e familiares da ré, como a mãe, um irmão e o filho, que tinha 17 anos na época do fato. Também devem prestar depoimento uma professora de Rafael, a perita que atuou na reprodução simulada dos fatos, e uma policial civil. O pai de Rafael, o agricultor Rodrigo Winques, também será ouvido.
O segundo dia de julgamento está previsto para iniciar mais cedo, às 8h30min. Os depoimentos das testemunhas devem ser encerrados nesta terça-feira (17). Posteriormente, ainda precisa ser realizado o interrogatório de Alexandra e acareação com Rodrigo, caso a ré mantenha a versão de que foi ele quem matou o garoto. A estimativa é de que o júri dure de três a quatro dias.