Retrato do caos no sistema carcerário, o Presídio Central, em Porto Alegre, vive movimento de transformação. Três pavilhões daquela que já foi considerada a pior prisão do Brasil vieram abaixo nos últimos dois meses. No mesmo terreno, são erguidos três módulos, que a partir de dezembro abrigarão os presos. É a primeira fase de uma obra prevista para se encerrar daqui a um ano, quando praticamente toda a antiga cadeia deverá ter sido derrubada e substituída por novas instalações.
— Se tudo correr exatamente dentro do cronograma, dia 16 de dezembro inauguramos essas áreas aqui e fazemos a remoção dos presos para cá — explica o secretário de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo, Mauro Hauschild.
Três pavilhões e quatro anexos foram demolidos nessa primeira fase – um dos prédios já havia sido parcialmente derrubado numa tentativa de obra anterior. No fim da semana passada, foi instalado o primeiro módulo, com 172 vagas, ocupando o local onde ficava um dos pavilhões que vieram abaixo. O terreno de obras divide espaço com os prédios ainda ocupados pelos presos, onde é possível ver roupas penduradas nas janelas, num contraste entre a antiga cadeia e a nova prisão que vai surgindo.
Em 19 de setembro, devem começar a ser instalados os dois outros módulos – os blocos de concreto chegam prontos ao terreno e são içados por guindaste, o que possibilita que a montagem seja concluída em cerca de dois dias. Depois dessa etapa, inicia-se a instalação elétrica, hidráulica e da rede de esgoto. A expectativa é de que as três galerias estejam montadas até 26 de setembro. Ainda será necessário concluir outras áreas, como o pátio, o parlatório e as celas para visitas íntimas. Também são realizadas na primeira fase outras melhorias, que envolvem o abastecimento de energia elétrica e o fornecimento de água.
Ainda neste ano, o plano é adiantar parte da obra que seria realizada somente na segunda fase. Quatro anexos, ao lado dos pavilhões principais, estão em fase final de demolição. Assim que o terreno for limpo, será possível dar início à instalação de seis galerias de forma parcial. A nova cadeia contará, ao final, com nove galerias, que serão acessadas por um corredor central.
— Vamos deixar para a segunda etapa já adiantadas essas 36 celas que vão estar montadas aqui. É quase o equivalente a três galerias completas. É como se estivesse quase metade pronta da segunda etapa — comemora secretário.
Transferências de presos
Em dezembro, o governo espera começar a transferência dos presos dos pavilhões antigos para as novas áreas. Antes de iniciar a primeira etapa, já tinham sido removidos cerca de 700, que foram espalhados em outras unidades. Atualmente, o Central opera com aproximadamente 1,7 mil encarcerados. Isso porque, além dos que já tinham sido transferidos, diariamente há fluxo de saída do local. A expectativa é chegar em janeiro com cerca de 1,5 mil.
Três meses antes do início das remoções, paramos de trazer presos para cá. Estamos trabalhando com a ideia de que a gente não dependa de nenhuma outra medida que não seja isso aqui e Charqueadas para acomodar todos
MAURO HAUSCHILD
Secretário de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo
Juntas, as três galerias construídas na primeira fase da obra somarão 516 vagas. Para que seja possível a alocação de todos os presos, parte da população carcerária precisará ser enviada para a Penitenciária de Charqueadas II, que é erguida de forma paralela e terá 828 vagas na primeira fase.
— Três meses antes do início das remoções, paramos de trazer presos para cá. Estamos trabalhando com a ideia de que a gente não dependa de nenhuma outra medida que não seja isso aqui e Charqueadas para acomodar todos. Vamos remover os presos do primeiro bloco, fazer a demolição. Remover os presos do segundo, fazer a demolição. Não vamos movimentar as três galerias ao mesmo tempo — explica Hauschild.
Somente as áreas de administração e cozinha antigas devem ser mantidas ao final da obra, quando a prisão deverá ter capacidade para abrigar 1.884 detentos.
Condições humanitárias
Um dos marcos do caos no Central são justamente as péssimas condições sanitárias e estruturais, o que se espera que fique para trás com a nova cadeia. Na raiz desses problemas está a superlotação. Com capacidade para 1.824 detentos, a prisão já chegou a abrigar quase 5 mil. Na estrutura antiga, o excesso de presos, a falta de espaço e de arejamento impedia que celas pudessem ser fechadas, levando os detentos a se amontarem nos corredores. Outro reflexo são as infiltrações e os vazamentos, já que as tubulações não suportam a sobrecarga.
Esse cenário foi um dos fatores que precisaram ser driblados pela obra, já que o terreno apresentava muita umidade. Parte do material que resultou da demolição do Central antigo foi reaproveitado na fundação, o que auxiliou na contenção da umidade. Os resíduos que não puderam ser usados no terreno precisaram ser removidos, num vaivém de transporte do material.
— Parei de contar no caminhão número 500. Foi muito material para fora — recorda Fernando Yaluk, um dos engenheiros da Verdi Sistemas Construtivos e Limitados, empresa contratada para as obras.
A demolição, segundo o engenheiro, foi justamente o ponto que gerou mais apreensão, por não ser possível prever o que exatamente seria encontrado nos prédios. A falta de informações sobre a situação do subsolo também tornou a obra um pouco mais complexa.
— A expectativa do início da demolição era uma, e quando ela efetivamente começou, não se apresentou tão complexa e tão difícil como imaginávamos que seria. Tivemos algumas surpresas, como a localização de caixas de água, que são estruturas mais robustas. Tivemos que tomar todos os cuidados, mas a dificuldade se apresentou bem aceitável — explica Yaluk.
Troca de gestão
É também em dezembro que o governo pretende efetivar a troca de gestão da cadeia, depois de quase três décadas. Desde 1995, a Brigada Militar (BM) é o órgão responsável pela segurança no local. A força-tarefa que levou os PMs para o Central deveria ter sido provisória, como forma de tentar controlar uma série de eventos violentos, como fugas e motins.
Um dos episódios mais marcantes se deu em 1994, quando o criminoso Dilonei Francisco Melara comandou a fuga de 10 presos, levando nove reféns. A empreitada culminou ainda na invasão do Plaza São Rafael, então principal hotel da cidade, onde uma funcionária foi rendida. Por fim, quatro amotinados e um PM morreram durante trocas de tiros.
O ano seguinte se iniciou marcado por fugas e motins. Em julho de 1995, um motim deixou 21 presos feridos, o que levou à decisão de convocar a BM para atuar na prisão. Vinte e sete anos depois, o governo planeja recolocar a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) na gestão da cadeia. Em dezembro, quando as celas começarem a ser ocupadas, a expectativa é de que 70 servidores penitenciários sejam os responsáveis pela segurança das novas galerias.
Assim como a demolição da antiga estrutura, a mudança na gestão também deve ser feita de forma escalonada, conforme a obra for avançando. Atualmente, os servidores penitenciários já atuam na segurança nas torres no entorno da cadeia.
— Os servidores do último lote que foram nomeados já foram distribuídos em casas da Região Metropolitana para ficarem prontos para estarem aqui. O efetivo daqui já está reservado — afirma Hauschild.
Outra mudança que se projeta com a reestruturação é que a casa prisional passe a abrigar somente presos provisórios, ou seja, aqueles que não possuam condenação. Isso daria mais mobilidade para o sistema.
— Isso vai permitir que tenhamos concentração de uma população que fica menos tempo no sistema prisional — diz o secretário.
A obra
Cronograma
- Dezembro de 2022: entrega da primeira etapa, com as três galerias concluídas e início da transferência dos apenados presentes nas demais estruturas
- Janeiro e fevereiro de 2023: início da demolição das demais estruturas e construção das outras seis galerias novas
- Setembro de 2023: finalização do projeto, com todas as nove galerias reestruturadas
Modelo
A prisão usa o mesmo tipo de construção de outras unidades erguidas no RS, como em Bento Gonçalves, Venâncio Aires e Sapucaia do Sul. A abertura das celas é realizada por um corredor central, sem contato entre servidores e presos.
- Vagas: 1.884
- Investimento: R$ 116 milhões