A soltura dos nove réus acusados de matar Ronei Faleiro Júnior, 17 anos, na saída de uma festa em Charqueadas, em 2015, provocou manifestações de revolta. Os réus respondem por homicídio qualificado e associação criminosa, além de outros delitos menos graves.
O julgamento do grupo chegou a começar por duas vezes, mas foi adiado, inclusive porque a defesa de um dos acusados alegou que a vítima teria morrido em decorrência de doença pré-existente. A pandemia também retardou o processo.
Em decisão publicada na terça-feira (10), a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ) considerou que os réus estão há tempo demasiado presos — cerca de sete anos. O Ministério Público discorda e emitiu parecer contrário à soltura.
O juiz do caso, Jonathan Cassou dos Santos, ainda não marcou novo júri, por estar com agenda cheia e não ser o titular da Vara.
Diante disso, a reportagem ouviu especialistas. É justo soltar esses réus? A demora é comum?
O advogado criminalista Lucio de Constantino ressalta que a Corte Interamericana de Direitos Humanos estabelece três fatores para determinar a razoabilidade do tempo de prisão a um acusado:
- Complexidade (se o crime envolve vários réus e testemunhas, como é o caso de Charqueadas).
- Atividade processual do acusado e seus defensores (se usaram de manobras protelatórias que podem ter prolongado os prazos, por exemplo).
- Conduta das autoridades judiciais (omissões, adiamentos de prazos, falta de audiências).
São critérios doutrinários, não estabelecidos em lei, mas levados em conta por operadores do Direito. Constantino recorda de um caso com réu preso por 15 anos e um, recente, por 10 anos (que foi libertado mediante ordem do STF), mas que são incomuns.
O criminalista, que também é professor universitário, ressalta ainda que o Direito estabelece o princípio da homogeneidade da pena: a prisão provisória não pode durar mais do que a pena a que o réu estaria sujeito.
Num caso de homicídio qualificado em que os acusados são réus primários, por exemplo —como o de Charqueadas —, diz que é razoável supor que possam ser condenados a 15 anos de reclusão.
— É preciso verificar a razoabilidade. Se forem sentenciados a 15 anos, já cumpriram quase a metade no regime fechado. Teriam direito à progressão para o semiaberto, possivelmente, mas continuam atrás das grades — pondera Constantino.
O advogado criminalista Daniel Tonetto, com mais de 250 júris realizados, diz que réus ficarem vários anos presos sem julgamento é incomum. Lembra que esse é o caso de autores de alguns múltiplos assassinatos, os chamados serial killers. Mas nesses casos o próprio Judiciário apressa o julgamento, passando o acusado à frente da fila de júris. O caso de Charqueadas, em tese, envolve apenas uma vítima e por isso não deveria ser tão demorado, pondera.
— E se o homicídio ocorrido lá for desclassificado, de qualificado para simples? Aí os acusados já passaram mais tempo presos em regime fechado do que estabeleceria sua condenação. Como fica? — questiona.
O também criminalista Alexandre Wunderlich considera que o Judiciário gaúcho padece, no momento, “de uma morosidade abissal”. Ele diz que, quando o processo não anda, natural que os réus sejam soltos.
— Nesse caso de Charqueadas, o Tribunal de Justiça agiu muito certo. Episódios graves e sem julgamento não deixam alternativa a não ser a soltura — comenta.
GZH ouviu também um dos mais experientes promotores de Justiça do Rio Grande do Sul, com atuação em cerca de mil julgamentos de homicídio na Região Metropolitana. Na maioria, com réus presos. Ele admite que sete anos é muito tempo sem julgamento, talvez injusto, mas ressalta: casos com muitos réus exigem muitas audiências, muitas testemunhas e, portanto, muitos prazos. Isso implica em demora processual.
— Não atuo no júri de Charqueadas, mas é necessário lembrar que não é um homicídio simples e não existe tempo máximo para alguém ficar preso. Quando comecei era comum réus ficarem até três anos presos. Agora alguns ficam mais de cinco anos no presídio. Segunda-feira fiz um júri em que os acusados estavam presos desde 2016. A pandemia prolongou prazos — analisa o promotor, que prefere não se identificar.
O presidente do Conselho de Comunicação do TJ, desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira, admite que faltam 238 magistrados no RS, mas diz que até julho devem ser empossados 93 novos juízes. E que o julgamento em Charqueadas será priorizado.
— Monitoramos todos os júris de repercussão e tão logo seja possível será feito o júri. Mesmo com réus soltos, que não seriam prioridade. No caso de Charqueadas, será realizado ainda neste semestre o julgamento – preconiza Silveira.