Cerca de um ano após o Instituto-Geral de Perícias (IGP) iniciar uma série de mutirões nas casas prisionais para a coleta de material genético dos condenados por crimes graves, o Rio Grande do Sul registra um aumento na identificação de envolvidos em casos que estavam sem solução. Conforme o IGP, em seis meses, 31 amostras de DNA coletadas dos presos corresponderam àquelas encontradas em vestígios de ocorrências policiais no RS.
Entre junho a novembro de 2021, os peritos já tinham 43 comparativos positivos, totalizando 74 confirmações desde o início dos trabalhos. O balanço divulgado pelo IGP registra também um crescimento de matchs - como são chamadas as confirmações - para a análise de material genético comparado apenas entre vestígios. Neste tipo de trabalho, o aumento foi menor com três novos confrontos positivos em seis meses - passou de 31 para 34.
No entanto, a coordenadora do Banco de Perfis Genéticos do instituto, Cecília Matte, afirma que nos próximos meses será realizado o processamento em massa de casos de agressão sexual, que ainda não haviam sido inseridos. Estes dados deverão incrementar a capacidade de comparação do banco.
— Este é o resultado de um trabalho intenso que começamos ainda em 2018, com a coleta do material genético dos presos. Agora, estamos contribuindo de forma efetiva para elucidar inquéritos policiais que estavam em aberto — avaliou Matte.
Homicídio solucionado após sete anos
Um dos casos em que o autor do crime foi descoberto por meio do comparativo entre o material genético encontrado no local do homicídio e o coletado junto aos presos ocorreu em Pelotas, no sul do RS. Em junho de 2015, um idoso de 65 anos foi encontrado morto dentro de um quarto de motel, com marcas de violência.
Na ocasião, testemunhas disseram que viram um homem fugindo do local. Na análise da cena do crime, os peritos encontraram vários elementos que possuíam o DNA do suspeito. Ao longo de três anos de investigação, os policiais chegaram a três pessoas que poderiam ter cometido o assassinato. Porém, a comparação do material genético coletado em um preservativo localizado no quarto com os dos suspeitos apontados resultara negativa.
A autoria só começou a ser esclarecida em 2021, quando foi realizada a coleta de material genético entre os apenados do Presídio Regional de Pelotas. Ao inserirem as amostras coletadas no Banco Nacional de Perfis Genéticos - que engloba dados de indivíduos e vestígios coletados em todo o país, o sistema apontou para o DNA retirado do preservativo em 2015.
— Na época, quando atendi este caso, foi algo que me marcou, pois foi encontrado no local do crime não só o preservativo, mas amostras de sangue que não eram da vítima, pelos e outros objetos. No entanto, nenhum dos suspeitos apontados pela polícia batia com o material genético coletado. Por isso, a importância deste banco de dados — ressaltou a coordenadora.
O autor do crime segue preso no Presídio Regional de Pelotas, onde cumpre pena por um latrocínio ocorrido em 2016.
Cecília Matte destacou ainda a importância da tecnologia para contribuir na recuperação histórica de crimes que seguem sem a identificação dos envolvidos em diferentes pontos do Brasil. Por ser abastecido pelos institutos forenses de todos os estados, com informações genéticas dos presos e dos vestígios apreendidos, é possível, muitas vezes, mapear por onde o criminoso passou.
— Recentemente tivemos um match de uma amostra coletada em um vestígio aqui no Rio Grande do Sul para um criminoso detido em um estado do nordeste. Além disso, esse mesmo DNA já tinha resultados positivos para vestígios coletados em crimes em outros dois estados de diferentes regiões do país — revelou.
Mais de 15 mil amostras já foram inseridas no Banco de Dados
O Banco de Dados de Perfis Genéticos gaúcho já possuía, desde 2011, as amostras coletadas em vestígios nos locais de crime. Mas, a partir de 2018, os peritos passaram a fazer a coleta do material em condenados por crimes contra a pessoa, como homicídio, roubo, lesão corporal, extorsão mediante sequestro e estupro.
Atualmente, mais de 11.300 amostras de condenados já fazem parte do banco. E, até o momento, foram inseridos cerca de 3.700 dados referentes a vestígios e restos mortais localizados. A expectativa do IGP é inserir o restante das amostras coletadas, que estão nos arquivos do instituto, para que mais comparações possam ser realizadas ao longo do ano. Para a fazer a coleta deste material genético, um robô de extração de DNA é utilizado pelos peritos.
Para a Polícia Civil, o crescimento da base de dados forense é um avanço importante para o andamento das investigações. Diretora do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), a delegada Vanessa Pitrez ressalta que há muita reincidência em casos de homicídio e que uma apuração mais ampla dos vestígios contribui para o andamento do caso.
— Costumamos utilizar a análise comparativa de material genético mais para provar a presença das vítimas em determinado local. No entanto, há casos em que amostras de suspeitos também são comparadas. Essa base de dados acaba sendo extremamente relevante não só para os casos de homicídios, mas para todos os outros — completou.
Determinação legal
A legislação brasileira prevê que condenados por crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável, sejam submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA, por técnica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no estabelecimento prisional.
A lei prevê ainda que uma vez identificado o perfil genético, a amostra biológica recolhida deverá ser descartada, para impedir a utilização para qualquer outro fim. Constitui falta grave a recusa do condenado em submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético.
Conforme os peritos do IGP, em muitos casos, os próprios presos desejam fazer a coleta, pois alegam inocência. Já o número de negativas é baixo, justamente por conta da penalidade, que costuma levar à perda de benefícios.
Quanto à continuidade das coletas, o instituto afirma que, neste ano, os peritos do Interior já iniciaram as coletas dos indivíduos que ainda não haviam sido coletadas _ a maioria ingressou na casa prisional após a realização do mutirão.