Após a ameaça de incendiar a sede nacional da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em Brasília - pelo fato dela aconselhar vacinas contra a covid-19 em crianças - um grupo de jovens cogita outros atos de terrorismo. Um dos alvos em potencial é uma delegada gaúcha que investiga a ligação entre as provocações à agência sanitária e atos extremistas praticados por adolescentes do Vale do Sinos.
A descoberta se deu por meio de mensagens que foram interceptadas pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Estado do qual são provenientes vários dos autores dos ataques virtuais. Os policiais investigavam um adolescente da cidade de Lindolfo Collor, no Vale do Sinos, por transmitir uma live em que tortura um cão até a morte, com martelo e faca. Ele teria feito isso, segundo justificou ao depor, como "desafio" proposto por um grupo que prega ideias de extrema-direita na internet, via aplicativos de jogos online.
Pois agora os policiais descobriram que o jovem é, possivelmente, o mesmo autor de ameaças de colocar fogo na sede da Anvisa. A mensagem com teor literalmente incendiário foi postada com e-mail usado pelo rapaz, com o avatar (símbolo) utilizado por ele na internet e com o CPF dele. O autor da carta ainda dá endereço do adolescente e desafia "os parasitas da PF" a encontrá-lo. Ele se despede com uma saudação nazista. Até por isso a Polícia Federal também investiga o caso.
O adolescente que matou o cão em transmissão ao vivo foi internado num centro de atendimento da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), no Vale do Sinos. Mais de 30 participantes da live, que aplaudiram a morte do cachorro, foram rastreados pela Polícia Civil. E foi ao averiguar a troca de mensagens entre eles que a delegada Raquel Peixoto, que investiga o caso, deparou com ameaças de morte a ela e à sua filha. Eles fizeram postagens com a foto dela, rabiscada com palavras de baixo calão e sugestão de que seja agredida.
A delegada deparou ainda com ameaças ainda piores: os jovens cogitam metralhar creches e escolas. Em uma das mensagens, um dos jovens diz: "Atenção, eu e o Doom iremos dar um role e metralhar uma escola...Estou indo pra Campo Bom encontrar com o nosso famoso Doom". As investigações apontam como possível alvo dos extremistas creches e escolas de Campo Bom, Ivoti, Lindolfo Collor e Novo Hamburgo. Os estabelecimentos não foram nominados. Integrantes das prefeituras desses municípios procuraram a Polícia Civil em busca de mais informações.
A Polícia Civil também teve acesso a vídeos em que alguns dos jovens se declaram nazistas e fazem saudações características dessa ideologia, enquanto usam capacetes alemães da Segunda Guerra Mundial.
A delegada Raquel Peixoto não tem outros indícios além das mensagens, mas ressalta que um ataque a uma creche, por parte de um extremista que também usava canais virtuais para se exibir, foi perpetrado em maio de 2021 na cidade de Saudades, Santa Catarina. Três crianças, uma professora e uma funcionária foram assassinadas a facadas e machadadas.
-Não encontramos conexão entre os casos, mas nunca se sabe. Só alerto uma coisa: vamos até o fim nessa investigação - alerta a policial.
CONTRAPONTO
O que diz o defensor do adolescente suspeito de cometer os crimes:
Vilson Carbonel Corino, defensor do adolescente suspeito dos crimes, diz que a família do jovem está perplexa com os fatos e admite que ele confessou os atos de crueldade contra o animal. Conforme o advogado, o rapaz ingressou num grupo de jogos virtuais e foi "aliciado" pelos líderes desse grupo. Eles teriam mandado ao jovem fotos de pai, mãe e irmão, que seriam agredidos caso ele não aceitasse desafios. Entre eles, o de sacrificar diante das câmeras um animal de estimação. A família possui três cães e, para não sacrificar algum deles, o rapaz teria pego um cachorro que passava perto de sua casa.
Por ter relutado em sacrificar animais, o adolescente ainda teria se automutilado, em punição por não cumprir o desafio.
A defesa do adolescente também considera "improvável" que ele tenha ameaçado colocar fogo na sede da Anvisa, porque a ameaça teria ocorrido quando ele já prestava depoimento à Polícia Civil. Corino acredita que o seu cliente é "bode expiatório" para outros casos de crueldade com animais, ainda não investigados, no Vale do Sinos.