Ao longo da investigação focada em apurar crimes sexuais dos quais um ginecologista é suspeito em Canguçu, no sul do Estado, a Polícia Civil começou a deparar com casos que teriam acontecido há mais de duas décadas. Esses fatos já são considerados prescritos e, por isso, o investigado não pode responder por eles. Ainda assim, a polícia pretende ouvi-las como testemunhas. Para a próxima semana, na segunda (31) e terça-feira (1º), já foram agendados novos depoimentos.
— Mesmo aquelas pessoas que acreditam que os fatos estão prescritos, venham até a delegacia ou nos procurem para agendar um depoimento. Elas vão figurar como testemunhas e também vão auxiliar muito na investigação — explica o delegado César Nogueira, que conduz a apuração do caso.
O médico Cairo Barbosa, que nega as acusações, já é réu por violação sexual mediante fraude. Isso porque um primeiro inquérito, com base nos relatos de quatro pacientes, que alegam ter sido abusadas durante consultas entre os anos de 2012 e 2017, já foi remetido à Justiça. Após a divulgação dos casos, mais mulheres começaram a relatar novos episódios. Segundo o delegado, nove mulheres já foram até a Delegacia de Polícia e pelo menos outras 11 estão com depoimentos agendados para a próxima semana.
O Ministério Público (MP), que acompanha os desdobramentos do caso, também ouviu uma paciente que relata ter sido abusada pelo médico nos anos 1990. A mulher pediu para ser ouvida, por meio de audiência virtual, pela promotora Luana Rocha Ribeiro.
— São muitos anos de silêncio. Algo que vai destruindo a pessoa, que gera consequências ao longo de uma vida inteira. Impressiona que isso pudesse estar acontecendo por tanto tempo, sem que ninguém trouxesse ao conhecimento das autoridades. É uma crença muito grande na impunidade, dos dois lados. De quem faz e de quem é vítima — afirma a promotora.
O caso desta mulher também é um dos que está prescrito, mas a representante do MP reforça a necessidade de que todas procurem os órgãos competentes para informar os fatos, como forma de fortalecer os relatos. Ela entende que, além do receio de julgamentos e descrença de que o autor será punido, a demora em procurar ajuda, por vezes, pode acontecer pela falta de compreensão de que se trata de um crime.
Diferentemente do estupro, que pressupõe o emprego de violência, a violação sexual mediante fraude não acontece desta forma. A vítima é enganada durante o abuso. No caso apurado, segundo as pacientes ouvidas, o médico afirmava que estava fazendo um exame para coleta de fluídos.
— Algumas mulheres disseram que só tiveram certeza de que foi um abuso quando viram a notícia do site (Canguçu Online). A coisa era tão velada, de uma forma tão dissimulada. Desconfiavam que podia ter algo errado, mas pairava uma dúvida. “Será que não foi da minha cabeça? Será que não é conduta padrão e eu que estou fantasiando?” — afirma a promotora.
Entre as medidas determinadas pela Justiça, está o afastamento do médico do Hospital de Caridade de Canguçu, onde realizava atendimentos, e a suspensão da atividade médica durante o processo. O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) informou nesta sexta-feira (28) que vai abrir sindicância para apurar a conduta do médico.
Como denunciar
O contato com a Polícia Civil de Canguçu sobre este caso deve ser feito pelo telefone fixo da delegacia (53 3252-7876) ou pelo celular funcional do delegado (53 98424-2253, inclusive por WhatsApp). Outros casos podem ser informados à Polícia Civil pela Delegacia Online ou na delegacia mais próxima.
A prescrição
O Código Penal determina que o tempo de prescrição varia de acordo com o máximo da pena prevista para o crime cometido. No caso da violação sexual mediante fraude, crime pelo qual o médico é réu, a pena máxima é de seis anos. Neste caso, a legislação prevê que o prazo de prescrição é de 12 anos. Em outros crimes, pode chegar a até 20 anos.
O que diz a defesa
O advogado Gustavo Goularte, responsável pela defesa de Barbosa, afirma, em nota, que o cliente é inocente.
"As acusações são bem graves. Não existe prova da ocorrência. A defesa que foi apresentada nesta quarta-feira, no processo, já traz em caráter preliminar fortes elementos da inocência do nosso cliente. Os fatos são inexistentes. Uma das exigências do doutor Cairo é que o processo tramite o mais rápido possível para que a verdade se estabeleça."