Após a revelação de que um ginecologista é acusado de ter cometido crime sexual durante consultas em Canguçu, no sul do Estado, a Polícia Civil começou nesta quinta-feira (27) a ouvir mais mulheres que também relatam terem sido vítimas do mesmo médico. Desde que o caso foi revelado em reportagem do Portal Canguçu Online, pelo menos mais 12 pacientes procuraram a polícia até o fim da manhã. O médico Cairo Barbosa já é réu por quatro casos de violação sexual mediante fraude — ele nega as acusações (leia nota da defesa abaixo).
A investigação é capitaneada pelo delegado César Nogueira, ex-servidor penitenciário, que ingressou na Polícia Civil em setembro do ano passado. Desde a quarta-feira, quando o caso foi divulgado na imprensa, o delegado tem sido procurado por mais mulheres, que também contam terem sido vítimas do ginecologista. Até o momento, foram pelo menos mais 12, além das outras quatro que já tinham procurado a polícia inicialmente.
— Começamos hoje mesmo a ouvir essas novas vítimas e estamos agendando novos depoimentos para os próximos dias. É fundamental que essas mulheres procurem a polícia e denunciem. Vamos ouvi-las e apurar — afirma o policial.
No município de 56 mil habitantes, a cerca de 50 quilômetros de Pelotas, a revelação do caso se tornou o principal assunto. O delegado acredita que a repercussão ajude a incentivar mais mulheres a tomarem coragem para procurar a polícia. É possível fazer contato pelo telefone fixo da delegacia (53 3252-7876), pelo celular funcional do delegado (53 98424-2253, inclusive por WhatsApp).
O ginecologista prestava atendimento tanto no Hospital de Caridade de Canguçu quanto em uma clínica particular localizada na área central. A investigação apontou que os crimes sexuais teriam acontecido nos anos de 2012 a 2017, na clínica e no hospital. Segundo o Ministério Público, duas medidas cautelares determinadas pela Justiça ordenaram que ele se afaste do atendimento na casa de saúde e que suspenda a atividade médica enquanto o processo está em andamento.
A Polícia Civil chegou a pedir a prisão do médico ao longo das investigações, mas a solicitação foi negada pela Justiça. GZH entrou em contato com o Tribunal de Justiça para saber o que motivou a decisão judicial e aguarda retorno. Quando foi ouvido pela Polícia Civil, durante a investigação, o ginecologista negou ter cometido os crimes.
Nesta quinta-feira, a promotora Luana Rocha Ribeiro, que está atuando no caso, também foi procurada por uma mulher que relata ter sido vítima do mesmo médico. Ela afirma que muitas mulheres demoraram anos para informar os casos. Um dos episódios, inclusive, já estava prescrito quando ela decidiu procurar a polícia, em 2019.
— As outras quatro mulheres que estão na denúncia são fatos entre 2012 e 2017. Embora tenha se passado há um tempo, as mulheres têm medo, ou sentem constrangimento, com toda essa exposição de fatos tão íntimos, pensam no julgamento, especialmente em uma cidade pequena, onde todo mundo se conhece, em que o médico é uma figura de autoridade. Elas estavam expostas, vulneráveis, a ponto de naquele momento nem sequer entenderem que estavam sendo abusadas. Elas foram ter consciência que aquilo estava errado depois. Umas conversaram com amigos, com enfermeira, com o marido. É bem complexo tudo que esses fatos envolvem. Desconfiávamos que havia essa cifra escondida por trás dos casos — afirma.
Traumas
GZH ouviu duas mulheres que relatam terem sido vítimas do ginecologista e que já têm processo em andamento contra o médico. Uma delas tem 43 anos e a outra 29 — ambas dizem conviver com os traumas deixados. Elas relatam terem sido abusadas durante atendimentos no hospital da cidade e no consultório particular.
As duas procuraram o profissional quando estavam grávidas. O médico teria alegado que estava realizando um exame nas pacientes e, por isso, tocado e manipulado suas partes íntimas, inclusive, sem uso de luva. Para a polícia, a intenção não era realizar nenhum tipo de exame e sim abusar das mulheres.
— Faço terapia, tomo remédios. Não consigo deixar que meu marido me toque. Tenho pavor de abraços. Meus filhos querem me abraçar, e invento uma desculpa. Não consigo ter o toque de pele. É um trauma que ficou e não consigo me livrar — diz uma delas, que relata ter tido coragem de procurar a polícia, em 2018, após o caso João de Deus.
O que diz a defesa
O advogado Gustavo Goularte, responsável pela defesa de Barbosa, afirma que o cliente é inocente. Confira a nota encaminhada à reportagem:
"As acusações são bem graves. Não existe prova da ocorrência. A defesa que foi apresentada nesta quarta-feira, no processo, já traz em caráter preliminar fortes elementos da inocência do nosso cliente. Os fatos são inexistentes. Uma das exigências do doutor Cairo é que o processo tramite o mais rápido possível para que a verdade se estabeleça".