O traficante Juraci Oliveira da Silva, que ganhou em janeiro progressão para o regime semiaberto ostentando boa conduta carcerária e o discurso de se tornar empresário, é réu, desde dezembro, por seguir organizando, de dentro da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), a venda de entorpecentes e outros negócios de seu grupo criminoso, no Campo da Tuca, zona leste de Porto Alegre.
O Ministério Público (MP) fez a denúncia por tráfico de drogas, associação para o tráfico e corrupção de menor com base em inquérito do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) e, desde então, vem tentando que Jura, 45 anos, tenha nova prisão preventiva decretada pela Justiça por conta dos fatos apurados.
A investigação do Denarc mostrou que dentro da Pasc Jura recebia prestação de contas sobre suas atividades ilegais, dava ordens para a compra de entorpecentes e sobre a quantidade de drogas a ser embalada a cada dia para distribuição, além de interferir na organização de bailes funk. A quadrilha comandada por ele monitorava até as investidas policiais no Campo da Tuca, distribuindo por mensagens de WhatsApp fotos de ações da Brigada Militar na região. Para ter o controle de tudo, Jura mantinha um grupo do aplicativo para falar com subordinados e familiares. O nome "Jura" nunca era usado nas mensagens. Segundo a apuração, o traficante era identificado por interlocutores como Mano ou Dindo.
O inquérito começou em junho do ano passado, quando Samaraci Oliveira da Silva, 33 anos, irmã de Jura, foi presa em flagrante com drogas. Foi a análise do celular dela que descortinou, mais uma vez, a rotina de trabalho de Jura como patrão do tráfico a partir de uma cela da prisão que deveria ser de segurança máxima.
Ao mesmo tempo em que o MP finalizava a denúncia dessa investigação e Jura se tornava réu na 2ª Vara Criminal do Partenon, a defesa do traficante começou a pleitear à Vara de Execuções Criminais (VEC) a progressão de regime, que acabou aceita em 14 de janeiro pelo juiz Paulo Augusto de Oliveira Irion. Na decisão, o magistrado citou trecho de parecer psicossocial elaborado pela equipe técnica da penitenciária: "Durante cumprimento da pena, esteve vinculado à atividade laboral na faxina e lavanderia da penitenciária. Para o futuro pretende buscar oportunidade em algum trabalho que garanta seu sustento. Em princípio pretende trabalhar como empresário, exercendo sua cidadania, mantendo os vínculos familiares e resgatando os sociais".
Para autoridades, no entanto, Jura já é um "empresário", só que do tráfico de drogas. O processo que tramita no fórum do Partenon indica, por exemplo, que seu grupo compra o quilo da cocaína por valores entre R$ 19 mil e R$ 20 mil. Em cima disso, conseguiria lucrar cerca de R$ 50 mil com a venda do entorpecente. A apuração também revelou que Jura, sua mulher Kátia Terezinha Brochado da Silva, 45 anos, e sua irmã Samaraci seriam organizadores do evento chamado Planeta Tuka e de festas em casas noturnas da região.
A principal suspeita, ainda sob investigação, é de que os eventos e o fluxo das casas noturnas serviriam para lavar o dinheiro do tráfico. A denúncia do MP diz que os participantes do grupo de WhatsApp recebiam ordens de Jura sobre a contabilidade do tráfico bem como sobre a "administração das casas noturnas utilizadas pela organização criminosa para lavagem de dinheiro, denominadas Planeta Tuka, Baile Funk da Tuka e Cervejaria da Tuka".
Depois da 1ª edição do evento Planeta Tuka, em março de 2019, uma mensagem enviada do celular que seria usado por Jura na Pasc continha teor de agradecimento a quem esteve no baile e pedia ao interlocutor que o texto fosse divulgado em rede social. A publicação foi feita: "Recado do Dindo. Salve, Salve, agradecendo na humildade a todos aqueles que ontem somarão (somaram) em estar lá curtindo de boa nosso evento, prometemos melhorias pois só vem com tempo a perfeição e pedimos sinceras desculpas nos erros até mesmo de português, o próximo vai ser bombástico aguardem e veram (verão) forte abraço a todos e fiquem com Deus".
No celular de Samaraci, foram encontradas ainda fotografias de substância identificada na investigação como droga, além de imagens de armas e de pessoas mortas a tiros. A troca de mensagens com o número apontado como sendo de Jura revela que o traficante, dentro de sua cela na Pasc, fazia cobranças até sobre gramas que faltavam na contagem dos quilos de entorpecente. Jura, que foi condenado a 74 anos de prisão e ainda responde a outros processos, também organiza o quadro funcional de sua "empresa", determinando quem devem atuar em qual equipe de fracionamento e distribuição da cocaína.
Segundo as mensagens verificadas na investigação, Samaraci fazia negociação de compra de entorpecentes e até buscava novo fornecedor quando o que atendia a seu "mano" foi preso. Em seu aparelho de telefone havia troca de mensagens com um novo vendedor, que oferecia cocaína identificada com o desenho de um jacaré. No diálogo, Samaraci pedia prova de qualidade do entorpecente. O fornecedor chegou a dar nota 8,5 para o produto.
Para os investigadores, todo o contexto indicou existirem "provas inescusáveis da ação de Samaraci em associação com o irmão no tráfico de drogas". Quando foi presa em flagrante, Samaraci estava, segundo ocorrência da Brigada Militar, acompanhada de uma filha de 16 anos. A adolescente ajudaria a mãe a dividir e embalar a cocaína.
Na denúncia, o MP registrou que todas as negociações e decisões de Samaraci passavam pela aprovação de Jura, que era contatado por ligações telefônicas, mensagens de texto e por aplicativo WhatsApp. O MP também destacou que Jura "utiliza todos os meios de violência contra qualquer pessoa que ameace o seu monopólio no tráfico".
Além de Jura, o MP denunciou Samaraci, Kátia, outro irmão de Jura, Valdeci Oliveira da Silva, 39 anos, Paulo Ricardo Machado, 50 anos, e Andréa Lopes de Carvalho, companheira de Machado. Machado e Andréa são considerados "funcionários" de Jura. A Justiça rejeitou a denúncia contra Kátia, o MP recorreu e aguarda análise. Os demais se tornaram réus por tráfico de drogas, associação para o tráfico e corrupção de menores.
Jura está preso por outros processos e, em relação a este, o MP tenta que uma nova preventiva seja decretada. Samaraci, que chegou a ser presa em flagrante pela BM e acabou libertada, teve prisão preventiva decretada depois a pedido da Promotoria e é considerada foragida. O MP também solicitou a preventiva de Valdeci e Machado, mas ainda não houve decisão.
O que ajudou a comprovar, segundo autoridades, que Jura era o usuário do celular com as identificações de "mano ou dindo" e com a frase "Vai com Deus minha mãe":
- Uma imagem armazenada no celular de Samaraci é uma captura de tela de chamada de vídeo em que aparece Jura e o nome do contato do interlocutor é "Pai Mano", o mesmo identificado em outros diálogos. Segundo a investigação, a chamada foi feita de dentro da Pasc.
- Em 2 de fevereiro de 2019, Samaraci conversa com um interlocutor não identificado sobre levar celulares para a prisão e diz que primeiro vai falar com o irmão, pois a ordem é dele. Avisa o interlocutor que no dia seguinte visitará o irmão. A apuração constatou que, de fato, no dia seguinte, em 3 de fevereiro, Samaraci ingressou na Pasc para visitar o irmão.
- Em 6 de março, uma mensagem para o grupo de WhatsApp mantido por Jura, familiares e subordinados também ajudou na identificação do telefone usado pelo traficante na penitenciária. Pelo número, identificado com a frase "Vai com Deus minha mãe", uma mulher enviou mensagem pedindo aos participantes que deixassem seu esposo para que pudesse namorar e avisou que depois das 17h podem falar com ele. Em resposta, Samaraci, pela linha que exibe a frase "Minha Eterna Mãezinha" responde chamando a interlocutora de cunhada e desejando boa visita. A investigação comprovou que naquele dia a companheira de Jura, Kátia Terezinha Brochado da Silva, esteve na Pasc.
- Em conversa pelo Messenger, em 14 de junho de 2019, Samaraci e outra mulher falam sobre o aniversário do "mano de Samaraci", que seria em 18 de junho. A interlocutora diz que quer deixar com Samaraci um presente para que entregue a Kátia. Para as autoridades, a conversa ajuda a confirmar que quando Samaraci cita "mano" está se referindo a Jura, já que a data de nascimento do traficante é 18 de junho e "Kátia" é o nome da mulher que visita o traficante na Pasc na condição de companheira.
- As frases que fazem referência à "mãe" seriam decorrentes da morte da genitora de Jura e Samaraci, ocorrida em janeiro de 2019.
Contrapontos
GaúchaZH tentou contato com a advogada Bruna Marques Gambini, que defende Samaraci Oliveira da Silva, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.
Os demais denunciados ainda não constituíram advogados, conforme informação da Justiça.
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