A realização de perícias a fim de recuperar veículos envolvidos em acidentes ou que foram encontrados após roubos e furtos pode demorar até seis meses, segundo apurou a reportagem de GaúchaZH. Enquanto o tempo passa, além dos transtornos para os proprietários, veículos ficam em depósitos do Detran sofrendo a ação do tempo.
O motorista de aplicativo Leonel Tisian foi vítima de assalto à mão armada e teve o carro levado por criminosos em 23 de fevereiro de 2018, em Canoas. O carro foi encontrado semanas depois, em Tupanciretã, no Noroeste. Ele havia sido clonado e vendido por meio de redes sociais. Tisian só conseguiu recuperar o automóvel na metade do mês de julho, cinco meses depois.
— Toda semana ligando para lá e nada da perícia. Aí resolvi ir até Tupanciretã. Fui à delegacia e não fui bem atendido.
Nesses cinco meses, o carro de Tisian ficou em depósito do Detran, em Cruz Alta. O condutor decidiu ir ao local para saber as condições do veículo, mas ficou ainda mais decepcionado.
— Viajei 400 quilômetros e encontrei meu carro em um estado deplorável. Pegou sol, sereno e até chuva de granizo.
Além de não conseguir resgatar o veículo, Tisian ficou sem poder trabalhar, e as dívidas se acumularam.
— Meu nome foi para os órgãos de proteção ao crédito. Fiquei com quatro parcelas do carro em atraso. Diversas ligações de bancos por dia me cobrando. Como o pagamento do carro está atrasado, recebi carta do banco dizendo que está em busca e apreensão.
Corretor teve carro próprio e o da mãe levados por assaltantes
O corretor de imóveis Maurício Tarasconi teve ainda menos sorte. Nove dias depois de comprar seu primeiro carro, foi vítima de assaltantes no bairro Humaitá, na zona norte de Porto Alegre. Eles levaram carro, computador, celular, dinheiro e documentos. O veículo foi encontrado pela polícia 10 dias depois, em Alvorada, com placas e chassi adulterados.
Neste momento, começou o drama para a realização da perícia. Tarasconi só conseguiu colocar o carro recuperado na sua garagem no dia 20 de agosto – quase oito meses depois do roubo, ocorrido no início de janeiro.
— Só ouvia que o IGP não tinha peritos e que o veículo estava na fila. Fui atrás da montadora, consegui toda a numeração do chassi original, a numeração da caixa de câmbio. Depois, fui direto falar com o delegado responsável. Mesmo assim, não teve como liberar. Nesse meio tempo, estava com o veículo da minha mãe e roubaram esse carro também. É muito azar.
A espera do administrador de empresas Fabiano Karaim também foi de quase meio ano. Ele teve o veículo roubado no bairro Rubem Berta, em Porto Alegre. Nesse longo tempo, enquanto o carro ficava no depósito aguardando perícia, foram muitos os transtornos.
— Tive de me virar com carona, táxis e Uber para conseguir me locomover ao serviço, buscar a minha filha no colégio. Foram quase seis meses para recuperar o meu bem.
O operador de produção Jeé Veiga enfrentou longa demora para retirar o carro de um dos depósitos do Detran depois de sofrer acidente de trânsito em Porto Alegre. Esperou por cinco meses:
Me deram um papel falando que em duas semanas meu carro estaria liberado. Quando voltei, não estava liberado para perícia, porque estavam faltando servidores. Essa novela levou cinco meses. Cheguei a pensar que não conseguiria pegar o meu carro de volta.
JEÉ VEIGA
Operador de Produção
— Me deram um papel falando que em duas semanas meu carro já estaria liberado para pegar. Quando voltei, não estava liberado para perícia, porque estavam faltando servidores. Essa novela foi se estendendo e levou cinco meses. Cheguei a pensar que não conseguiria pegar o meu carro de volta — afirmou.
O que dizem o
Sindiperícias e o IGP
Maurício, Fabiano, Leonel e Jeé foram vítimas da falta de estrutura e do acúmulo de perícias dentro do Instituto-Geral de Perícias (IGP). Segundo o presidente do Sindicato dos Servidores do IGP (Sindiperícias), Henrique Bueno Machado, a falta de pessoal é o principal entrave para o trabalho da categoria. São cerca de mil servidores a menos do que o ideal, segundo o dirigente.
— Hoje o IGP tem quadro preenchido de 650 funcionários, quando o ideal, previsto em lei, é de 1,7 mil. Há cerca de 2 mil perícias para serem realizadas, somente sobre adulteração de chassis, e só 10 peritos disponíveis para o trabalho. É uma equipe multidisciplinar, precisa também de papiloscopistas, fotógrafos.
Machado lembra que há servidores aprovados em concurso que estão para ser chamados, mas avalia que não serão suficiente para suprir a demanda.
— A situação já foi caótica e hoje é muito ruim. Antes de dois, três anos, não se consegue resolver.
Além da necessidade de perícia do IGP quando são recuperados de furto e roubo, os veículos também passam pelas mãos dos peritos quando são envolvidos em acidentes de trânsito com vítima, quando são atingidos por disparo de arma de fogo, quando há suspeita de adulteração de chassi, entre outros motivos.
Por meio da assessoria de imprensa, o IGP admitiu o problema e se limitou a dizer que a diretora-geral do órgão, Heloísa Helena Kuser, que assumiu o cargo em abril, está providenciando análise da situação atual das perícias em veículos. Só que o órgão não deu prazo para solução da demora na liberação dos automóveis.
No mês de junho, após serem chamados pelo governo do Estado, os 106 aprovados no último concurso do IGP começaram o curso de formação. A ideia é que eles se juntem aos demais servidores entre agosto e setembro.