A chacina com quatro pessoas baleadas e queimadas no bairro Pioneiro aparenta ser o prelúdio de um novo patamar da violência em Caxias do Sul. O ataque da madrugada de domingo confirmaria uma suspeita cada vez mais recorrente de informantes da polícia: o avanço na Serra de uma facção de Porto Alegre. O que pode ser o primeiro ato de violência do grupo da Capital na Serra ocorreu em um ponto de tráfico sob o domínio de uma facção local indiciada pela Polícia Civil em abril e que domina a venda de drogas em pelo menos cinco bairros da cidade.
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Quatro pessoas são carbonizadas em chacina em Caxias do Sul
O ataque na Rua João D'Andréa é simbólico, pois mostra uma violência diferente pelos requintes de execução e número de mortos. Titular da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, o delegado Rodrigo Kegler Duarte não lembra de um caso semelhante.
– O modus operandis é bem peculiar, pois é a primeira vez que é utilizado fogo para execução de um delito (na cidade). Desde 2014, que é o tempo que estou na Homicídios, também é o maior número de vítimas (em uma ocorrência) – aponta.
Exames da 2ª Coordenadoria Regional de Perícias (2ª CRP) confirmaram que as quatro vítimas, dois homens e duas mulheres, foram executados com diversos tiros. Após, os criminosos jogaram algum tipo de combustível no corpo das vítimas.
Vizinhos apontam a identidade de três vítimas
O primeiro passo da investigação é esclarecer quem são os mortos. A polícia já trabalha com nomes, mas devido ao estado dos corpos, que ficaram carbonizados, a identificação só deve ser confirmada por meio de exames de DNA. O resultado deste tipo de análise, porém, demora mais de 60 dias. Na segunda, familiares de pessoas dadas como desaparecidas e que estariam na moradia no momento da chacina prestaram depoimento aos investigadores.
Vizinhos da casa queimada relataram que três pessoas entraram na casa antes do ataque. O primeiro deles seria um adolescente de 17 anos. Após jantar em uma lancheria da mesma rua, o rapaz teria ido até local comprar maconha, segundo a investigação da polícia. Ele foi seguido pela namorada, de 15 anos, e pela mãe dele, Tatiane Teixeira, 36. Para familiares, os três estavam no local errado na hora. Pouco depois, vizinhos ouviram mais de 40 tiros na casa. Não se sabe quantas pessoas participaram do crime.
Ainda na manhã de domingo, um morador do bairro Pioneiro procurou a perícia se dizendo tio de Tatiane. O reconhecimento não foi oficializado justamente pelo fato de o corpo estar carbonizado. O quarto corpo seria o companheiro da suposta dona do ponto de tráfico. Esse homem estaria sendo pressionado a parar de vender drogas pela facção da Região Metropolitana, mas seguia no negócio.
– Comprovando o aporte de mais uma facção e em disputa pelo mercado, nós alcançamos o mesmo patamar da Região Metropolitana. Precisamos nos preparar para este tipo de investigação, não somente do tráfico de drogas isolado, mas também quanto o modo de ação destas facções – alerta o delegado Rodrigo.
OUTRA HIPÓTESE
Outra hipótese é investigada. Após a Operação Fratelli, que identificou e prendeu membros de uma facção caxiense, os donos do ponto de tráfico teriam retomado o controle sobre o negócio no bairro Pioneiro. Em resposta, a facção ordenou a execução.
Casa era moradia de outra vítima de assassinato
A casa de dois pisos incendiada na Rua João D'Andréa era um ponto de tráfico conhecido e já havia sido alvo de investigações. Vizinhos apontam que a circulação de viciados era comum havia pelo menos dois anos e confusões faziam parte da rotina. A venda de drogas ocorria no andar superior, onde os corpos foram encontrados. Um porão da casa seria utilizado como fumódromo.
– Usuário não respeita nem a mãe, rouba elas né? Então precisávamos ficar bem atentos. Quase toda a noite dava problema. Só que, nas últimas semanas, estes tiros (contra a casa) começaram a acontecer quase toda noite. A facção (da Região Metropolitana) queria o ponto e a dona já estava falando em vender a casa. Mas o companheiro dela insistiu em continuar vendendo – relata um morador da Rua João D'Andréa.
O delegado Rodrigo Duarte lembra que a casa já foi moradia de uma vítima de assassinato do ano passado: Stefani de Souza de Oliveira, 24 anos, conhecida como Chokito. O assassinato de Stefani segue em investigação na Delegacia de Homicídios.
– É um local que possui histórico envolvendo tráfico de drogas. No ano passado, tivemos um homicídio em que a vítima tinha relação exatamente com este local. Era moradora desta casa e, por alguma circunstância, saiu do Pioneiro e foi para outro bairro, onde foi morta – lembra o delegado.
Stefani foi executada a tiros em uma casa da Rua Doutor Vicente Bornancini, no bairro Fátima, em 15 de outubro. Na época, o crime foi relacionado a disputa pelo tráfico de drogas. A mulher era conhecida por ser uma usuária de drogas popular que se tornou um trunfo para traficantes maiores: a jovem recebia outros viciados em sua casa, onde vendia e consumia drogas. O número exagerado de tiros no crime seriam mais um indício da disputa pelo tráfico. A motivação do crime, no entanto, ainda não foi esclarecida. As hipóteses são de que Stefani poderia ter trocado de fornecedor e sofreu uma vingança ou foi atacada por um traficante rival. Naquela noite, Priscila de Lima Boeira, 29, também foi assassinada na casa.
Na noite seguinte, a facção caxiense ordenou a morte de um traficante rival no bairro Planalto. Jonas Almeida de Mello, 26, foi executado, ao lado da namorada Lilian Cassini, com mais de 40 tiros. Na sequência, os atiradores fugiram em HB20 branco e foram perseguidos pela Brigada Militar (BM) até a Vila Ipiranga, onde houve confronto e quatro homens morreram. Preso após o confronto com a polícia, um suspeito foi indiciado em abril como membro da facção caxiense. Para investigadores da Delegacia de Homicídios, na época, a morte de Stefani e a execução no bairro Planalto estavam relacionados.