Vidrados em um paredão, usado como tela de projeção, 128 detentos da Penitenciária de Canoas acompanharam a realidade da Cadeia Pública, conhecida como Presídio Central, a partir da ótica do documentário Central, que está em cartaz nos cinemas.
A inédita sessão foi realizada na noite de terça-feira, no pátio da galeria C da prisão. O clima inicial lembrava uma sessão normal de cinema. Salvos os fatos de os espectadores estarem uniformizados e a presença, no ambiente, de agentes penitenciários com armas pesadas.
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Por outro lado, teve até distribuição de pipoca e suco. Em meio aos presos estava a procuradora do Estado Roberta Arabiane Siqueira, com atuação junto à Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).
Os funcionários da casa preferiram ficar pouco afastados, em cadeiras colocadas atrás da última fileira e nas laterais.
Apagadas as luzes, as primeiras imagens do presídio foram saudadas de forma glamourizada:
– É o casarão – disseram alguns deles, numa referência ao apelido dado por criminosos ao Central.
Nos minutos iniciais, os cochichos foram constantes. Muitos pareciam não conter a ansiedade diante das cenas gravadas no interior da maior prisão gaúcha.
A exibição desta terça-feira foi feita para presos primários. A maioria deles já passou pela Cadeia Pública. Mas ficou pouco tempo: de um a sete dias, após o flagrante, até que suas transferências para a Penitenciária de Canoas fossem providenciadas.
Alguns tentavam se vangloriar:
– Eu conheço aquele ali, é um baita bandido – disse um, durante uma cena do interior de uma galeria, filmada por presos do Central.
As diferenças entre uma cadeia e outra puderam ser percebidas na reação de alguns, que emitiram sons indicativos de repugnância ao assistirem, na projeção, lixo acumulado, esgoto entupido e ratos correndo pelo Central.
Cenas de uso de drogas provocavam risos. Não faltaram também saudações, ainda que tímidas, a facções criminosas, quando o nome delas eram citadas no documentário.
A relativa frieza demonstrada pelos presos durante a exibição deu lugar a um clima mais descontraído ao final da sessão, quando a diretora do filme, Tatiana Sager, e eu, codiretor e roteirista, fomos convidados a debater com os espectadores.
Fiquei só no jumbo (setor de triagem) no Central e depois vim para cá. Mas já deu para ver como são as coisas por lá. Os presos ficam nas famílias nos pátios e escorrem fezes dos canos – relatou um dos presos.
– Eles não têm o vício da cadeia e são mais facilmente recuperáveis – garante a procuradora Roberta.
Ao final da sessão, foi perguntado aos espectadores se algum pretendia solicitar transferência para o Presídio Central. Cerca de 10 ergueram a mão.
– Não é pelo ambiente, mas é que minha companheira tem dificuldade de vir aqui me visitar. No Central, seria mais fácil – explicou um deles.
– Essa cadeia aqui é um ponto de reflexão muito grande. Lá (no Central), tu sai e tem de voltar para o crime – argumentou outro, de posição contrária.
Penitenciária é considerada modelo
O documentário Central, produzido pela Panda Filmes, com direção de Tatiana Sager, mostra, mediante depoimentos de presos e de autoridades, a realidade maior cadeia gaúcha, com seus maiores problemas, como o poder exercido pelas facções criminosas.
A Penitenciária de Canoas, inaugurada no ano passado e com apenas um de seus módulos ocupados (abriga menos de 400 presos, em um total de 2,8 mil vagas), tem sido considerada modelo, por disponibilizar trabalho e estudo aos presos, entre outros benefícios.
– Nosso intuito é de fazer com que eles pensem. Saiam bem e não se envolvam com facções – disse a diretora da prisão, Emilinha Nazario.