Quem mostra são as estatísticas. A expectativa de vida de um homem brasileiro é de 73,1 anos, enquanto a da mulher pula para 80,1, segundo dados do Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE) de 2019. A explicação para essa discrepância é resultado do cuidado que elas nutrem em relação ao próprio bem-estar e saúde, algo que não é visto entre a maioria dos indivíduos do gênero masculino.
Um levantamento feito pela Pesquisa Nacional de Saúde, em 2019, revelou que 82% das mulheres consultou um médico no ano passado. Por outro lado, somente 69% dos homens procurou um consultório. E vale notar que, entre estes que procuram auxílio médico, sete a cada 10 o fizeram após a esposa ou os filhos insistirem.
Geralmente, os homens morrem mais por estarem mais sujeitos a mortes violentas, como criminalidade, traumas etc. No que tange a doenças, percebe-se que eles se expõem mais frequentemente a fatores de risco para doenças. Entre esses, o tabagismo, o alcoolismo, o estresse e a exposição ocupacional de risco, explica Ernani Rhoden, professor de Urologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA):
— Outra questão que não deve ser desconsiderada é o acesso aos meios de saúde que devem ser melhorados, as políticas de saúde destinadas à população masculina, incluindo facilidade de acesso educacional. Todos esses aspectos avaliados em conjunto podem, de certa forma, justificar a diferença da longevidade menor dos homens em relação as mulheres.
Paulo Ricardo Rosa, médico clínico do Hospital Moinhos de Vento (HMV), afirma que há uma tendência cultural que leva a ala masculina a ser mais desleixada com a saúde:
— Pesquisas sugerem a existência de uma questão comportamental atrelada a isso. O imaginário coletivo aponta que não é do masculino se cuidar, procurar ajuda. Isso faz com que eles sejam mais relapsos com o próprio corpo, por acreditarem que exames de rotina e hábitos saudáveis não são importantes.
Mais suscetíveis a infarto e AVC
O cirurgião cardiovascular da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre Fernando Lucchese faz a ressalva da única diferença entre eles e elas: mulheres estão menos suscetíveis a infarto e ao acidente vascular cerebral, porque, até a menopausa, os hormônios femininos protegem as veias e artérias.
— Essa é a diferença mais significativa. Mas o ponto central é que o homem é imprudente, teimoso e tem medo de descobrir se está doente ou não. Por isso, ele acaba morrendo por doenças evitáveis. O homem não se previne ou se previne pouco e acaba vivendo com mais enfermidades — pontua.
Os motivos apontados por Lucchese são os mesmos destacados pelo Ministério da Saúde na pesquisa Dados de Morbimortalidade Masculina no Brasil, divulgada em 2018. O documento destaca como motivos para esse maior adoecimento, além do medo e a teimosia, a falta de comprometimento para seguir tratamentos, o fato de acharem que nunca ficarão doentes, a falta de iniciativa para procurar serviços de saúde, a escassez de uma alimentação adequada e o sedentarismo entre outros.
— As campanhas de conscientização existem, mas o homem teima em sair direto do pediatra para o geriatra. Há uma resistência natural, uma prepotência e arrogância em se achar eterno, forte, mas nunca frágil. As entidades fazem seu trabalho de conscientização, mas, infelizmente, não existe vacina para o homem deixar de ser teimoso — diz o cirurgião cardiovascular da Santa Casa.
Já Rhoden ressalta que o trabalho de conscientização deve ser contínuo e exaustivo até alcançar o público-alvo:
— Informação e educação em saúde são atitudes que devem ser continuadas. E implementadas por instituições de saúde, universidades, escolas e fazerem parte do planejamento governamental. O papel da mídia é também muito relevante nesse sentido.
Quatro mitos
- Câncer de próstata afeta apenas homens idosos.
MITO Pode atingir também pessoas mais jovens. Especialmente aquelas com fatores de risco, ou seja, história familiar de câncer de próstata e afrodescendentes. - Não sou estressado, não terei infarto.
MITO O estresse é um componente para o desenvolvimento da doença, mas é possível enfartar mesmo achando que sua vida está tranquila, porque fatores genéticos e hábitos saudáveis também pesam. - Após tratamento cirúrgico do câncer de próstata, o homem fica impotente e com incontinência urinaria.
MITO São complicações possíveis, mas as taxas são bastante reduzidas. E há tratamento apropriado para os dois casos. - Não é necessário fazer o toque retal, o PSA e suficiente.
MITO Alguns tumores de próstata (10%) são diagnosticados pelo toque retal em situações nas quais os exames de Antígeno Prostático Específico (PSA) deram normais.
Preocupação deve ser com todo o corpo
A já citada pesquisa do Ministério da Saúde constatou que, em 2015, foram realizadas 5,9 milhões de internações no Sistema Único de Saúde (SUS) na faixa de 20 aos 59 anos no Brasil. Excluindo as por gravidez, parto e puerpério, o sexo masculino tem maior número de internações, com 51%. A maior proporção entre os homens ocorreu na faixa etária de 50 a 59 anos, com 30%. As moléstias que mais provocam a internação masculina são: pneumonia, hérnia inguinal, traumatismo intracraniano, infarto agudo do miocárdio e doenças infecciosas decorrente do vírus HIV, nessa ordem.
Em 2020, tivemos um agravante: o coronavírus. E essa doença também afeta mais os homens. A pesquisa Você e a Covid-19 – A Saúde do Homem na Pandemia, realizada pelo Instituto Lado a Lado pela Vida (Lal), entidade idealizadora do Novembro Azul, mostrou que 60% deles declararam ter ao menos um fator de risco ao agravamento da covid-19, sendo que 15% apresentam a combinação de três ou mais fatores de risco.
O médico clínico Paulo Ricardo Rosa, do HMV, destaca que, por isso, o ideal é que o homem fique atendo à saúde global do corpo:
— Quando se fala em Novembro Azul, logo associamos ao câncer de próstata. Contudo, é preciso ficar atento à parte cardiovascular, à pressão arterial e ao diabetes. Fazer exercício físico pelo menos 30 minutos, três vezes na semana, comer frutas, vegetais e ter um consumo equilibrado de carboidratos e proteínas também é importante. Manter um estilo de vida saudável deve ser a meta.
Enfermidades do aparelho digestivo estão no top 5
Esse também é um conselho do professor de Urologia Ernani Rhoden, da UFCSPA. Diversos fatores estão envolvidos na prevalência de câncer de próstata, entre eles os relacionados a hábitos.
— Existem fatores genéticos envolvidos. Questão racial, também é importante, asiáticos são o grupo étnico com as menores taxas de câncer de próstata no mundo. Ocidentais e afrodescendentes são as populações com a maiores taxas de câncer de próstata. Fatores dietéticos, como alimentos hiperproteicos e hipercalóricos, a exemplo do fast food, obesidade, alimentos industrializados são outros componentes importantes que justificam taxas crescentes de câncer de próstata na população — observa.
Mario Reis Alvares-da-Silva, chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), ressalta também que as doenças do aparelho digestivo estão no top 5 de enfermidades que mais causam problemas em homens:
— Certamente, há muito mais a ser discutido do que a própria ocorrência de câncer, como as doenças cardiovasculares. Da perspectiva do hepatologista, entretanto, é impossível não lembrar duas causas de doença que são mais frequentes em homens e potencialmente muito graves: a doença hepática alcoólica e o carcinoma hepatocelular, que é um tumor maligno primário do fígado, em geral associado à cirrose.