Com intuito de evitar que uma paciente tivesse um novo acidente vascular cerebral (AVC), o Hospital de Clínicas de Porto Alegre recorreu a um tratamento raro: a litotripsia intravascular, cirurgia minimamente invasiva e realizada na artéria carótida, responsável pelo fluxo sanguíneo para o cérebro.
Através de ondas de choque ultrassônicas, a técnica possibilitou a quebra de um coágulo de difícil dissolução.
— A paciente tinha uma placa muito dura, muito calcificada. Então, para a gente conseguir abrir essa placa, desentupir o que estava entupido, a gente teve que colocar um cateter que emite uma pressão grande, ondas de choque ultrassônicas que fraturam, quebram essa placa de forma controlada. Assim, a gente consegue expandir adequadamente o estente — explica o cirurgião vascular Alexandre Pereira, responsável pela intervenção, realizada em agosto.
Para o acesso, o cateter foi introduzido pela virilha da paciente, e guiado até a região do pescoço, onde estava o coágulo que impedia a passagem do sangue. Nesse ponto, foi colocado um estente, uma malha metálica que dilata a veia. Com uma espécie de "guarda-chuva", o caminho fica protegido, para evitar que algum fragmento se desprenda em direção ao cérebro – o que causaria um AVC.
Pessoas que já tiveram um AVC são mais propensas a ter um novo episódio, de acordo com o cirurgião.
— Como a paciente já tinha tido um AVC, há um risco bastante alto de ter novamente, quase 30%. Com esse tratamento, a gente consegue reduzir o risco para menos de 1% ao ano — celebra o médico.
AVC é como "um cano entupido"
O cirurgião vascular utiliza uma analogia com um "cano entupido" para explicar o que causa o acidente vascular cerebral.
— A gente sempre pensa no nosso corpo como uma coisa muito especial, mas é exatamente como um encanamento. Como se fosse o coração uma bomba de água, e as artérias são os canos que levam a água adiante. Então, quando a pessoa tem um entupimento nesse cano, diminui o sangue que chega no final do caminho, nesse caso o cérebro. O que nós temos que fazer é desentupir esse cano.
O procedimento foi coberto pelo plano de saúde dos servidores do RS, o IPE.
Por ser minimamente invasivo, sem cortes ou pontos, a funcionária pública aposentada Floraci Santos da Costa, de 75 anos, teve alta poucas horas depois. Diz que acordou sem sentir qualquer dor. Em casa, na cidade de Taquara, no Vale do Paranhana, ela já retornou às atividades do dia a dia.
— Eu gosto muito de trabalhar. Cuidar da casa e do meu jardim. A natureza é linda — afirma Floraci.
100 mil mortes por ano no Brasil
Segundo o coordenador da linha de cuidado do AVC da Santa Casa de Porto Alegre, Diógenes Zãn, essa é a causa de 100 mil óbitos por ano no Brasil. Há, ainda, sequelas na maioria dos que sobrevivem.
— Ficam incapazes em 70% dos casos de voltar a trabalhar, e em 50% dos casos de voltar a fazer atividades básicas de vida como se alimentar, ir ao mercado, tomar banho e se vestir sozinho. Quem tem AVC, não tem AVC sozinho. Tem AVC com a família. Toda a família é mobilizada para cuidar desse ente ferido. Então, a gente precisa identificar a relevância epidemiológica dessa doença — alerta.