
Na ação coletiva que apresentou na última semana, o Ministério Público pede a responsabilização da prefeitura de Porto Alegre pelos danos causados a moradores e empresários da Capital durante a enchente de 2024, sem implicar o governo do Estado ou a União. O órgão propõe a cobrança de uma indenização coletiva de R$ 50 milhões, que devem ser destinados pelo município a um fundo e usados para aumento da resiliência da cidade.
A responsabilização exclusiva da prefeitura se deve ao fato de que, no entendimento do MP, ainda que parte do sistema de proteção de Porto Alegre tenha sido construído pelo governo federal, por intermédio do Departamento Nacional de Obras e Serviços (DNOS), ele foi integralmente absorvido pelo município na década de 1990. Primeiro, o sistema passou a ser controlado pelo Departamento de Esgotos Pluviais (DEP); depois, pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae).
Entre os argumentos apresentados, a ação dos promotores cita um trecho do texto institucional publicado no antigo site da prefeitura de Porto Alegre, sobre as funções do DEP:
"Criado oficialmente em 17 de julho de 1973 para planejar, construir e conservar as redes de drenagem urbana, o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) somente veio a controlar totalmente o sistema de proteção contra as cheias em 1990. Nesse ano, o governo federal extinguiu o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), responsável pelo combate às inundações causadas pelo avanço das águas do Guaíba até aquele momento", diz o texto.
O mesmo texto oficial publicado no site da prefeitura de Porto Alegre, reproduzido pelo MP, acrescenta: "Desde então, o DEP passou a controlar, além da rede de esgoto pluvial, a situação dos arroios, dos diques de proteção contra as cheias (como o Muro da Mauá) e das casas de bombas, que desenvolvem funções típicas de drenagem urbana".
Na ação coletiva, cujos detalhes foram revelados por Zero Hora na quinta-feira (3), o MP acrescenta que o DEP exerceu a função até a sua extinção, em 2017, o que ocorreu por iniciativa do prefeito Nelson Marchezan Júnior. Depois disso, lembra o MP, "a operação do sistema foi transferida para o Departamento Municipal de Águas e Esgoto (Dmae), que era o órgão do Município responsável pela gestão da estrutura quando do evento de abril e maio de 2024".
À coluna de Rosane de Oliveira, a Procuradoria-Geral do Município (PGM) disse que ainda não foi intimada, mas que recebeu com surpresa a notícia da propositura da ação. Preliminarmente, o órgão calcula um custo de até R$ 4,7 bilhões caso a prefeitura seja condenada.
— O município defende que, se houve uma omissão, se houve um dever específico de agir, ele seria da União, conforme determina a Constituição Federal, quando trata de quem é responsável pela proteção contra enchentes e catástrofes climáticas — afirmou o procurador-geral, Johnny Prado, à coluna.
Atribuições constitucionais
A ação do MP gaúcho destaca que a Constituição Federal diz, no artigo 30, que compete aos Municípios "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano". O MP acrescenta ainda que, em seu artigo 182, a Constituição institui a Política Urbana Constitucional, "imputando aos municípios o protagonismo na execução dessa política".
Os promotores responsáveis pela ação apontam ainda que a lei 12.608/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, impõe à União, aos Estados e aos municípios competências "no tratamento de desastres", cabendo aos municípios "executar a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil em âmbito local" e "vistoriar edificações e áreas de risco e promover, quando for o caso, a intervenção preventiva".
Depois da revisão legal, os promotores responsáveis pelo caso reforçam a tese inicial: "Todos sabem que esse sistema de proteção é de administração exclusiva da Prefeitura Municipal", lembrando que foi o município que fechou as comportas do sistema de proteção nas duas enchentes de 2023.
Omissões de diversas gestões municipais
A ação coletiva foi produzida pelos promotores Carla Carrion Frós (do Núcleo de Proteção dos Direitos das Vítimas) e Cláudio Ari Mello (coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Ordem Urbanística e Questões Fundiárias). Segundo ambos, todas as falhas no sistema de proteção contra cheias se devem à omissão da prefeitura ao longo de diversas gestões.
"Todas as omissões assinaladas são falhas de funcionamento da Administração Pública Municipal. Isso significa que são omissões decorrentes de decisões tomadas por agentes públicos vinculados à Prefeitura Municipal, incluindo Prefeitos Municipais, Secretários Municipais e dirigentes e servidores de órgãos da Administração Pública Municipal Direta e Indireta. Nenhuma falha do Sistema de Proteção contra Cheias de Porto Alegre apontada acima é extra-humana", apontam os promotores na peça inicial da ação.
A ação pede também que a prefeitura pague indenizações individuais a todos os habitantes e empresários instalados em bairros que deveriam ter sido protegidos pelo sistema de defesa contra cheias da Capital. Caso a Justiça atenda ao pedido, o MP pede que os valores sejam "definidos em execução individual e coletiva".