Acampado com a família desde do dia 2 de maio às margens da BR-116, na Ilha da Flores, o reciclador Teófilo Rodrigues Motta Junior, 53 anos, vive uma rotina inédita. Mesmo acostumado com os alagamentos no bairro Arquipélago, foi a primeira vez que precisou recorrer a um abrigo improvisado na rodovia.
— A gente ficava na rua (quando alagava), na frente da casa, sabe? Na estrada, mesmo, a gente nunca chegou a ficar, é a primeira vez — descreve Teófilo Motta.
O receio com atos de vandalismo e furtos na sua casa, localizada na Rua do Pescador, e a preocupação com os dois cachorros o levou a se somar a outras dezenas de pessoas que transformaram as BR-116 e BR-290 em endereços de residências precárias. O reciclador está acampado com o casal de filhos, uma nora, um genro e dois bebês, de 7 e 11 meses. Um caminhão antigo usado no trabalho de coleta também foi salvo.
Não é, porém, a primeira vez que a vida do reciclador vira tema de reportagem. Em maio de 2008, Teófilo Motta ainda trabalhava utilizando uma carroça. Naquele ano, uma discussão a partir de proposta do então vereador Sebastião Melo propunha o fim da circulação dos veículos de tração animal em Porto Alegre. O debate que pautava a cidade também foi tema de comentários do colunista do Grupo RBS Paulo Sant'Ana, que foi provocado a viver um pouco da rotina de um carroceiro. E assim ele o fez, no dia 12 de maio de 2008, ao lado de Teófilo Motta (leia abaixo a reportagem publicada em 2008). O colunista morreu em julho de 2017.
— A gente conversou bastante. Ele me falou sobre quando ele foi delegado em Porto Alegre. Eu perguntei também pra ele por que ele fumava tanto. Ele disse que era muito difícil de parar — relembra.
Paulo Sant'ana percorreu, em 43 minutos, cerca de 10 quilômetros, partindo da Ilha Grande dos Marinheiros até a Avenida Cristóvão Colombo. A bordo da carroça puxada pelo cavalo Pretinho, o colunista conduziu o veículo e recolheu alguns sacos de lixo.
"É uma vida dura e sacrificada a do carroceiro. Ele consegue, a muito custo, catar grande quantidade de lixo para ganhar R$ 600 a R$ 700 por mês", publicou Sant'Ana em coluna no dia seguinte.
À época, Teófilo presidia a Associação dos Carroceiros de Porto Alegre. A entidade buscava regularizar a atividade na capital gaúcha.
— Consegui o emplacamento das carroças, uma carteira. Tinha também uma ajuda da UFRGS para eles tratarem os cavalos — lembra Teófilo Motta.
O reciclador conseguiu retomar a coleta de materiais no último domingo (26). Isso foi possível graças ao conserto do Mercedes Benz 608, que substituiu a antiga carroça. Por enquanto, a família de Teófilo Motta segue sem expectativa de retorno para casa.