Moradores do Centro Histórico de Porto Alegre realizaram, nesta semana, várias movimentações para impedir que a prefeitura faça a venda de 110 m² da Praça da Família Imigrante, na Rua Riachuelo. A mobilização teve início quando o Projeto de Lei Complementar do Executivo (PLCE) 14/2023, que trata do assunto, entrou na pauta de votação da Câmara de Vereadores.
Uma das medidas adotadas foi a criação de um abaixo-assinado pela internet.
O manifesto classifica o espaço em debate como um "oásis de natureza", um "misto de jardim e horta em meio aos prédios do Centro Histórico". A comunidade elenca uma série de críticas à venda do terreno, afirmando que não foi ouvida devidamente; que a proposta de melhorias da infraestrutura existente, apresentada tempos atrás, foi abandonada; e que "não há interesse do proponente em integração com o espaço verde".
O terreno tem área total de aproximadamente 515 m² e fica localizado junto ao Edifício Tuyuty. O prédio histórico foi tombado, passou por restaurações e, agora, está prestes a se tornar sede do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre.
Protocolado pelo prefeito Sebastião Melo em 30 de junho, o PLCE 14/2023 autoriza o poder público municipal a vender para o cartório duas áreas de 60,95 m² e 49,67 m² - a parte maior para a construção de uma estrutura anexa ao edifício e a menor para circulação e saída de emergência. As duas frações, somadas, foram avaliadas pela Secretaria Municipal da Fazenda em R$ 154.000,00 a serem pagos à vista.
O projeto da prefeitura prevê que a receita com a venda do terreno seja revertida para o Fundo Municipal para Restauração, Reforma e Manutenção do Patrimônio Imobiliário do Município de Porto Alegre.
Após as manifestações dos moradores, o prefeito pediu que a matéria fosse retirada, na última segunda-feira, da pauta de votação da Câmara.
O que diz a prefeitura de Porto Alegre
Ao protocolar a proposta, o Executivo apresentou como justificativa que, além de sediar a prestação dos serviços registrais, que atende milhares de pessoas todos os meses, a nova sede do Registro de Imóveis deverá contar com um Espaço Cultural para conservação de um acervo constituído por mais de 300 livros históricos que remontam ao ano de 1865 - quando foi criado o cartório de imóveis da 1ª Zona, o mais antigo do Estado.
Em outro ponto do documento, consta que a principal contrapartida é a manutenção e a conservação da Praça Família do Imigrante. No entendimento do município, a adoção do espaço público pelo cartório "contribuirá com a preservação, revitalização e manutenção permanente do espaço verde".
Procurado por GZH, o secretário municipal de Planejamento e Assuntos Estratégicos, Cezar Schirmer, admitiu que está começando a se apropriar do caso, pois antes o assunto não envolvia a secretaria. De acordo com o gestor, o desafio estabelecido é o de corresponder aos anseios de "ambos os lados".
— O propósito é conciliar os dois interesses: a preservação do prédio histórico, que tem valor arquitetônico e que precisamos ocupar. Serão 60 pessoas a mais trabalhando e dando vida ao Centro Histórico. E a outra questão trata da preservação de um espaço verde, que tem relevância, embora seja bem pequeninho — declarou.
"Mais verde, menos concreto"
O engenheiro agrônomo Antônio Elisandro de Oliveira recebeu a equipe de GZH para uma entrevista na própria praça. Ele reforçou que os moradores do local não se opõem à ocupação do antigo Edifício Tuyuty, como pretende o cartório, que adquiriu o imóvel.
— Essa discussão começou em 2021. Quase todos são favoráveis à ocupação do prédio abandonado. Na época, houve uma reunião, as pessoas assinaram a lista de presença e apenas uma se manifestou contra. O cartório sempre nos falou da intenção de construir uma escadaria e erguer um memorial, que seria a saída do estabelecimento, passando pela praça. Hoje, a gente tem a informação de que, havendo esse memorial, ele corre o risco de ficar de costas para a praça. Mas nunca se falou das dimensões, o que nos causou uma surpresa.
Oliveira argumenta que a mobilização busca readequar o projeto. Entre as alterações discutidas, está a criação de uma escadaria aérea, ocupando menos espaço no terreno, apesar do impacto arbóreo.
O assunto também vem agregando manifestações dos mais variados campos ideológicos. O ex-prefeito de Porto Alegre, Jose Fortunati, inclusive participou de um protesto no local. Nesta terça-feira (29), a vereadora Biga Pereira (PCdoB) protocolou o pedido de realização de audiência pública às 17h do dia 19 de setembro "em defesa da Praça da Família Imigrante e para debater o PLCE 14/2023".
— Tudo o que nós não gostaríamos é que esse assunto fosse politizado. Infelizmente, estamos próximos da eleição e tudo virou política com o propósito de desgastar a administração municipal. A Câmara é autônoma e faz o que quer. No que diz respeito à nós, vamos tentar conciliar esses interesses colocando antes, acima de tudo, o interesse público — declarou o secretário Cezar Schirmer.