Foi preciso uma rara conciliação na atual legislatura para que a Câmara de Vereadores de Porto Alegre revogasse a lei que instituiu o 8 de janeiro como Dia do Patriota. O acordo tirou em tempo recorde o epíteto do calendário da Capital, mas foi precedido por costumeiro debate entre parlamentares de direita e de esquerda.
A polêmica teve início na sexta-feira (25), quando o site Matinal revelou a existência da data comemorativa, aprovada um mês antes pelo então vereador Alexandre Bobadra (PL). A notícia logo correu o país, recebendo destaque nos principais veículos de imprensa e, à noite, ilustrou as manchetes do Jornal Nacional, da TV Globo.
Enquanto as redes sociais tratavam como piada de mau gosto celebrar o suposto patriotismo de vândalos que invadiram e saquearam o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília, ingressava com representação na Justiça para declarar a lei inconstitucional.
Ainda na manhã de sexta-feira, às 10h14min, a vereadora Karen Santos (PSOL) protocolou na Câmara o Projeto de Lei do Legislativo (PLL) nº 559/23. O texto revogava a iniciativa de Bobadra, vereador cassado pela Justiça Eleitoral em 15 de agosto e cuja produção parlamentar reuniu tanta polêmica quantos projetos inócuos — das 363 proposições de sua autoria, 220 (60%) são datas comemorativas.
Assustado com o teor das críticas, o presidente da Câmara, Hamilton Sossmeier (PTB) convocou uma reunião de emergência para o início da tarde de segunda-feira (28). O convite, porém, era restrito a vereadores — assessores não poderiam participar. Pouco depois das 13h30min, cerca de 20 parlamentares ocupavam a sala Adel Carvalho, ao lado do plenário.
Diplomático, mas demonstrando preocupação com o desgaste causado pela lei de Bobadra, Sossmeier anunciou que não restava alternativa: era preciso revogar o dispositivo. Para tanto, colocou na mesa duas opções: votar o texto de Karen ou outro projeto de lei, este de autoria da Mesa Diretora.
De imediato, vereadores vinculados à direita, como Ramiro Rosário (PSDB) e Comandante Nádia (PP), recusaram apoiar o projeto de Karen. Até mesmo Aldacir Oliboni (PT), signatário do texto da vereadora do PSOL e que, em junho, havia aprovado lei tornando o 8 de janeiro Dia de Defesa da Democracia, aderiu à proposta de que a iniciativa partisse da Mesa Diretora. Karen perguntou então ao diretor legislativo da Câmara, Luiz Afonso de Melo Peres, se seria necessário retirar seu PLL para fazer avançar o texto do colegiado.
Diante da confirmação, Karen reagiu. Irresignada, elevou o tom para dizer que os vereadores queriam tirar o protagonismo de uma mulher negra e que seu projeto não era sectário, pois havia sido subscrito por 16 parlamentares de vários espectros políticos, abrangendo centro, esquerda e direita.
Houve discussão, até que a vereador Mônica Leal (PP) sustentou que o problema era a justificativa do PLL, na qual Karen classifica os atos de 8 de janeiro como "golpistas e fascistas", praticados por "apoiadores do ex-presidente da República Jair Bolsonaro".
— Não tenho como votar um texto assim — disse Mônica.
— Se esse é o problema, a gente modifica — anuiu Karen.
Aproveitando o momento de acerto entre duas vereadoras de intenso antagonismo político na Casa, o consenso entre os demais e o prazo que se esgotava, Sossmeier sacramentou o acordo e marcou a votação para o fim da tarde. Na nova redação da justificativa, Karen ainda tentou incluir "supostos apoiadores de Jair Bolsonaro", mas foi aconselhada pelo diretor legislativo a evitar qualquer menção no texto ao ex-presidente. De quebra, os parlamentares também concordaram em fazer uma sessão silenciosa, sem discursos na tribuna para não estender a sangria política.
Na sequência da tarde, o texto de Karen tramitou com velocidade incomum. Enquanto projetos semelhantes levam em média 45 dias para serem aprovados, o PLL 559/23 passou por três comissões e pela Procuradoria Jurídica da Câmara em pouco mais de três horas. Às 16h44min, estava apto a ser levado a plenário. Faltava, porém, cumprir o intervalo de duas sessões legislativas. Entre 18h8min e 18h13min, foram abertas três sessões extraordinárias, culminando com a votação do projeto em exatos um minuto e 54 segundos. Ao cabo de tanta polêmica, o texto foi aprovado por 31 a favor e uma abstenção. Quase ao mesmo tempo, em Brasília, o ministro Luiz Fux, do STF, concedia liminar suspendendo a vigência do Dia do Patriota.
O prefeito Sebastião Melo, que antes se esquivara de barrar a iniciativa de Bobadra, sancionou a revogação em menos de 24 horas, no final da tarde de terça-feira (29).
Porto Alegre perdeu o Dia do Patriota, mas a Câmara já prevê o próximo embate em torno do 8 de janeiro. Vereadores de direita querem revogar agora o Dia da Defesa da Democracia. E contam com o apoio de parte da bancada de esquerda na empreitada.