Em dois anos de investigação, a Corregedoria-Geral (Cogepol) da Polícia Civil do Rio Grande do Sul identificou um esquema em que escrivães e inspetores são suspeitos de auxiliar empresas que recuperam carros roubados e furtados para seguradoras de veículos. Na manhã desta sexta-feira (22), a Operação Sordidum Societatis afastou 11 policiais civis na Região Metropolitana, sendo que um deles foi preso temporariamente. A Cogepol apura o crimes de corrupção ativa e passiva, violação de sigilo funcional e organização criminosa.
— A investigação leva a crer que o policial preso era proprietário de uma recuperadora. O CNPJ não estava no nome dele, mas ele se comportava como proprietário — afirma o corregedor-geral, delegado Marcos Meirelles.
A corregedoria apurou que policiais civis atuavam como facilitadores das empresas de recuperação de veículos, alugando a senha para uso do Sistema de Consultas Integradas da Secretaria da Segurança Pública (SSP) ou executando pesquisas de placas de veículos que haviam sido recuperados (leia abaixo):
— Dificilmente, uma seguradora paga para uma empresa ir atrás do carro. As recuperadoras trabalham por produtividade, um percentual do valor do veículo fica com elas. Os policiais acabaram caindo na nossa investigação pelo exagerado volume de pesquisa de placas de veículos no sistema. Se o carro foi recuperado, eles indicavam em que local e depósito se encontravam para que as recuperadoras pudessem providenciar a redistribuição da posse do carro para a seguradora — detalhada o corregedor-geral.
Os policiais acabaram caindo na nossa investigação pelo exagerado volume de pesquisa de placas de veículos no sistema. Se o carro foi recuperado, eles indicavam em que local e depósito se encontravam para que as recuperadoras pudessem providenciar a redistribuição da posse do carro para a seguradora.
MARCOS MEIRELLES
Corregedor-geral da Corregedoria-Geral (Cogepol) da Polícia Civil
Outros dois policiais civis, que não tinham mandado de prisão temporária e nem pedido de afastamento, acabaram sendo detidos em flagrantes por tráfico de drogas. Na casa de um deles, havia 13kg de maconha. Os entorpecentes foram localizados durante as buscas.
— Estes não tínhamos solicitado afastamento pois as informações que tínhamos não eram contundentes para isso. Mas eles são suspeitos da prática, pela relação espúria entre eles e as recuperadoras de veiculos.
Mandados de busca e apreensão foram cumpridos em delegacias de Porto Alegre e da Região Metropolitana. A Cogepol não revela quais DPs foram alvo da operação, mas Meirelles esclarece:
— As buscas ocorreram nos pertences pessoais dos policiais investigados nessas delegacias. Por exemplo, se tivesse um armário trancado, uma gaveta pessoal. Não fizemos inspeções para devassar a delegacia e colocar todos sob suspeita. Foi específico nos pertences dos investigados. Quando a gente efetua busca em ambientes que são trancados, mesmo que sejam em prédios públicos, precisamos de autorização judicial. Ninguém colocou as delegacias em dúvida, de forma alguma.
Além dos policiais envolvidos, outras quatro pessoas, que não são servidores públicos, foram presas. Um é proprietário de uma recuperadora de veículos e presta serviço para uma seguradora. O segundo é um prestador de serviço, responsável por fazer a ligação entre a recuperadora e a delegacia. O terceiro também é proprietário de uma recuperadora e foi preso em flagrante no Paraná, por posse de arma de uso restrito. O quarto foi detido por tráfico de drogas e porte de arma com numeração raspada.
A investigação não foi concluída. A partir de agora, será analisado o material localizado e apreendido.
- É ruim cortar na própria carne, mas é necessário - afirmou a chefe de Polícia, delegada Nadine Anflor.
O esquema, segundo a Cogepol
- Seguradoras: após um veículo com seguro ser roubado ou furtado, um mês após o delito, em média, o proprietário recebe uma indenização da seguradora. O veículo, neste momento, tem sua propriedade alterada: da vítima do delito passa para a empresa de seguro. O Documento Único de Transferência (DUT) passa a ser preenchido em nome da seguradora. Caso a seguradora recupere o carro, ela ficará como proprietária e poderá revender. Por enquanto, a investigação identificou a participação de uma seguradora no esquema. O nome da empresa não é revelado.
- Recuperadoras: as recuperadoras trabalham tentando localizar veículos que foram indenizados para que a seguradora diminua seus riscos e prejuízos. A investigação identificou que policiais civis fornecem informações para as recuperadoras de onde estão os veículos encontrados, para que elas possam localizar o automóveis e auxiliar as seguradoras. A apuração aponta que o policial preso era proprietário de uma recuperadora. A investigação da Cogepol detectou três recuperadoras que faziam parte do esquema.
- Policial civil: os policiais afastados alugavam suas senhas do Sistema de Consultas Integradas da Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Rio Grande do Sul para que as recuperadoras fizessem a pesquisa e pudessem localizar o veículo. Assim, era possível saber onde o veículo estava recolhido, no caso, em qual depósito. Em outros casos, os policiais recebiam listas com placas de veículos e devolviam com as pesquisas realizadas. Os policiais também trabalhavam como facilitadores para as recuperadoras para que o carro não constasse mais como roubado ou furtado no sistema da Polícia Civil. Onze policiais foram afastados de suas funções públicas, um deles foi preso temporariamente. Os nomes dos servidores investigados não foram revelados.