O coração do tenente-coronel Acilino não carrega mais a rigidez moldada pelos 35 anos de serviço no Exército Brasileiro. Na manhã desta sexta-feira (10), data em que completou 95 anos, o militar admitiu estar com saudade da família. E chorou.
Surpreendido por cinco filhos, o patriarca dos Serafini não segurou a emoção ao ver seus "garotos" com cartazes à porta do prédio onde vive, ao lado do Parque da Redenção, no bairro Farroupilha, em Porto Alegre. Para não expor o idoso, a festa à distância foi realizada na calçada, com palmas acompanhadas de música, executada pelo caçula, violonista profissional.
— Faz mais de um mês que eu não abraço o meu pai — conta Robson Serafini, 52 anos, com violão a tira-colo enquanto aguardava a chegada do aniversariante.
O artista afirma ter trocado os abraços por acenos logo que os primeiros casos de coronavírus foram confirmados na capital gaúcha. Para reduzir a distância, Robson estaciona a bicicleta na calçada e telefona para o pai.
A serenata foi planejada para ser acompanhada da sacada, mas o inquieto homenageado pediu para descer as escadas. Com ajuda da vizinha e da esposa, e apoiado em uma bengala, caminhou até a porta da rua. Ao chegar à soleira, hesitou. No acesso da calçada, estendeu as mãos em direção aos familiares. Sem poder tocá-los, simulou um abraço e agradeceu.
— Não tem nome o tamanho da saudade que eu sinto por vocês — disse, com voz abafada pela máscara cirúrgica que protegia o rosto.
De origem italiana, os Serafini tinham nos domingos o dia de reunir a família em volta da mesa. Não à toa, presentearam o pai com uma cesta recheada de doces, vinhos e salame. Acostumados a grandes festas de aniversário, com salões e restaurantes lotados, veio a decisão de não deixar os 95 anos passarem em branco, mesmo com as dificuldades impostas pela pandemia.
Seu Acilino nasceu em Santiago, na região central do Estado. Casou e teve seis filhos - a única mulher mora nos Estados Unidos e vai participar de outra festa, à noite, em uma chamada de vídeo com o pai. No final da década de 1960, ele foi transferido para um quartel da Capital. Dos três irmãos, dois tem a mesma faixa etária. Um terceiro já morreu.
A companheira, Gracia Lima, 81 anos, fez parte do arranjo que arrancou lágrimas do ex-capitão, último cargo que ocupou na ativa.
— Foi uma surpresa total para ele. E olha que todo dia ele me diz "tô com saudade dos meus filhos" — conta, enquanto equilibra o parceiro com quem compartilha a vida há três décadas.
Mais jovem de 12 netos, Filipe Serafini, 18 anos, imagina a família ainda mais unida quando o distanciamento social terminar.
— Neste momento a gente vê que precisa dar mais valor, porque de uma hora para outra podemos perder as pessoas — define o estudante.
A cena foi acompanhada por vizinhos e motoristas, que ouviram, ao vivo na Rádio Gaúcha, a história do velhinho que tanto queria abraçar os filhos. Após dez minutos em que afagos foram trocados por olhares emocionados, o idoso se despediu do grupo, que teve ainda o reforço de duas noras e dois netos:
— Daqui a pouco a gente se vê, isso vai passar — gritou o administrador Ricardo Serafini, 54 anos.
Ao voltar ao amplo apartamento do primeiro andar, Acilino retornou à janela. Avistou os filhos entrando nos veículos e pressionou as barras de ferro. Sem segurar o choro, balbuciou palavras incompreensíveis, mas dispensáveis: queria chamar todos de volta.