Com mínima de 4°C, Porto Alegre teve entre quarta (3) e quinta-feira (4) uma das temperaturas mais baixas do ano. O impacto foi sentido nos três abrigos que trabalham em parceria com a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc): estiveram lotados ou com aumento expressivo na procura em comparação com a semana passada.
O Albergue Beneficente Monsenhor Felipe Diehl, na Praça Navegantes, próximo à alça de acesso da Avenida Sertório para a Ponte do Guaíba, atendeu 139 pessoas nesta quarta. Segundo o diretor, Juarez Vasques, a média que o abrigo atende são 80 pessoas por noite:
— O aumento é de mais de 50 pessoas por noite, desde o início da semana. Aqui, eles chegam e têm que tomar banho, tem espaço para colocar as roupas, além de cada um usar a toalha própria, separada e identificada pelo número de cadastro.
Dentre a centena de pessoas que deixava o espaço às 7h, um uruguaio que chegou ao Rio Grande do Sul a pé, levando apenas a roupa do corpo e algumas mudas transportadas em uma mala rosa com uma alça improvisada por um elástico.
— Levei 25 dias pra vir de Punta del Este a Porto Alegre. Passei frio e fome para tentar um emprego aqui — conta Emiliano Camacho, 24 anos.
Ele relata que caminhou a maior parte do caminho, percorrendo outro trecho em caronas de quem se solidarizava com sua história. No Uruguai, acrescenta, ficaram o filho — que vive com sua ex-mulher — e a mãe. Açougueiro, disse ter deixado o país devido ao alto custo de vida e tenta enviar uma parte do pouco que ganha em trabalhos temporários.
— O dinheiro não dá para comprar nada, é tudo muito caro. Além disso, no Uruguai, quase não há albergues. Aqui é muito melhor — afirma, enquanto se espreme no pequeno portão de saída do abrigo, em meio aos demais acolhidos.
Com o aumento na procura, a Fasc reforçou o orçamento do abrigo, que passou de 145 para 205 leitos. Destes, 45 são para mulheres.
Reclamando da falta de roupas doadas, Alex dos Santos, 33 anos, deixava o local vestindo apenas um blusão de moletom para cobrir o peito. Com outros quatro amigos que conheceu na casa, ia atrás de material reciclado ou de algum trabalho de diarista:
— É muito difícil chegar em um local e conseguir emprego, sem ter tempo na carteira de trabalho. Teria que ter oportunidade para quem não tem experiência, para quem tá em situação de rua.
Ouvindo o relato de Alex, a educadora social Rosana Santos concordou:
— Infelizmente, há preconceito com quem está em um abrigo. Existe muito trabalho por aí, não custa nada dar uma oportunidade, nem que seja para ver no que vai dar.
Ela reitera que, para permanecer no abrigo por 30 dias, que é prazo máximo para abrir vaga a outro morador, é necessário seguir as regras da casa:
— Não pode usar drogas. Se estiver alcoolizado, não entra. Isso é pra não ter confusão.
Demais abrigos estão lotados
Além do Felipe Diehl, o Albergue do Instituto Espírita Dias da Cruz (esquina das avenidas da Azenha e Ipiranga) está com as 90 vagas preenchidas. O Albergue Municipal (Rua Comendador Azevedo, 215) também lotou suas 120.
Diretora técnica da Fasc, Vanessa Mendes Baldini afirma que a situação presenciada nos locais "não é atípica" no inverno:
— Fazemos a chamada Operação Inverno, de junho a setembro, com a ampliação das vagas. Depois, a situação se acalma e não é mais necessário. Apesar das noites frias, há quem prefira continuar nas ruas.
— Tem quem quer ficar no seu lugar, no seu cantinho, ou que tem animal de estimação. Eles podem entrar no abrigo, mas não podem ficar no dormitório. Nem todo mundo aceita — exemplifica, acrescentando que uma parcela também segue ao relento devido a incapacidade de deixar as drogas.