Interpretado no cinema por Arnold Schwarzenegger, o fortão major Dutch teria trabalho quintuplicado para derrotar seu arqui-inimigo na capital gaúcha. Em uma lavagem de carros insuspeita na Avenida do Forte, na Zona Norte, pelo menos cinco versões do Predador, duas delas com cerca de dois metros de altura, observam 24 horas por dia a movimentação ao redor.
Feitas de materiais descartados, como capacetes velhos, roupas usadas e peças de eletrodomésticos, elas impressionam pela semelhança com o monstro hollywoodiano – uma das esculturas ganhou, inclusive, iluminação verde de LED na altura dos olhos. Com uma vantagem: inanimadas, as versões porto-alegrenses são bem menos ameaçadoras do que o original.
– Sempre digo que são meus protetores. E o Predador do filme é preto, né. Para destacar, pinto eles com tinta prata. Então esses são meus, ninguém pode dizer que copiei – sorri Adonis Ricardo Gaertner, 73 anos.
Criador das esculturas que chamam a atenção de quem passa pelo posto de gasolina a altura do número 527 da movimentada avenida, Gaertner começou a fazer arte com sucata há cerca de cinco anos. Especialidade do artista, o Predador não é o único personagem retratado por ele: há versões de aliens, Darth Vader e até um Jack Sparrow, além de outras figuras não necessariamente famosas – todas um tanto obscuras – em andamento (confira a galeria abaixo).
A ideia de trabalhar com materiais descartados veio após um peculiar conflito doméstico: a esposa pediu que ele sumisse com uma âncora usada como lustre, que estava forçando o forro.
– Ela mandou tirar de casa, e pensei: "vou fazer um boneco" – conta.
O objeto naval tornou-se o eixo principal de um Darth Vader feito com frascos de óleo e uma máscara encontrada na rua. O personagem de Star Wars fica na entrada da lavagem. Assim como outros que viriam a seguir, Vader foi feito aos poucos, à medida que Gaertner encontrava peças que se adequassem às figuras.
Com o passar do tempo, os próprios clientes começaram a levar objetos para contribuir com as criações.
Um orelhão antigo virou suporte para um busto em resina do pirata Jack Sparrow, personagem preferido da esposa. Paralamas de moto foram transformados em um trio de Aliens de diferentes tamanhos, e outros frascos de óleo deram origem a um escorpião.
O Predador surgiu quando recebeu o primeiro capacete velho. As aberturas, na visão do artista, lembraram de imediato o personagem do qual diz já ter assistido a todos os filmes. A afirmação ganha força quando se observa a riqueza de detalhes dos bonecos, dois deles de corpo inteiro, além de três bustos, incluindo uma versão feminina.
– Acho que as peças combinam com ele. Se olhar bem, tudo quanto é objeto tem o formato do corpo humano. Nem que seja transformado em monstro. É isso que vejo – diz.
A lavagem tornou-se espécie de museu a céu aberto do morador de Gravataí, que trabalha ainda com polimento e higienização de veículos, e começou a fazer as peças, segundo diz, como "terapia". O fascínio da clientela com as figuras é tamanho que começaram a surgir encomendas. Por valores que prefere não divulgar, já vendeu dois Predadores. Atualmente, trabalha em um Motoqueiro Fantasma que fará as vezes de espantalho em uma plantação de frutas.
– Ele (o cliente) me pediu uma figura para espantar as caturritas que vão lá comer as frutas. Primeiro, sugeri um predador, mas depois pensei que tinha de ser algo com movimento. Esse vai ir para um lado e para o outro – diz, agachando-se para mostrar o balanço da peça em elaboração.
Negócios ecologicamente corretos
Transformar lixo em arte não é a única atitude ecologicamente correta do criador de predadores da zona norte de Porto Alegre. A lavagem dos veículos no negócio aberto seis anos atrás é quase toda feita com água da chuva – em caixas de diferentes tamanhos, estima captar de 18 mil a 20 mil litros de água por mês.
Ex-proprietário de uma empresa de produtos químicos, Gaertner utiliza uma cera produzida por ele mesmo, à base de carnaúba, para dar o polimento. Também privilegia o uso de sabão neutro, com menos aditivos químicos, para efetuar a limpeza.
– Tudo vai para o meio ambiente. A parte ecológica é o diferencial, mas a maioria das pessoas não dá importância. Só quer o carro limpo. Depois que explico, elas voltam – diz.