
Um olhar mais amplo e agregador sobre o ciclismo, conectado com a formação de identidades culturais das cidades, a expressão das artes e a comunicação com a sociedade, foi tema de debate neste sábado (1º), em Porto Alegre, ancorado pela jornalista e cicloativista Denise Silveira, gaúcha radicada em São Paulo há mais de duas décadas.
Guiado pelo trinômio "bicicleta, arte e comunicação", o bate-papo aconteceu no charmoso Café Fon Fon, no Bom Fim, reunindo amantes do pedal.
A história de Denise com as bikes é relativamente recente e peculiar: em 2013, por conta de danos crônicos na cartilagem dos joelhos, passou um período sem caminhar e mudou sua visão sobre mobilidade urbana e deslocamentos. Tempos depois, teve o carro roubado e resolveu não comprar outro. Passou a se sentir melhor sem o automóvel, embora enfrentasse problemas em ônibus parcialmente adaptados para pessoas com restrições de locomoção – no caso dela, os degraus dos coletivos eram nocivos.
A aproximação com a bicicleta foi consequência da nova vida e, depois, tornou-se trabalho e ativismo. No ano passado, Denise recebeu menção honrosa pela direção do curta-metragem Ciclovia Musical no Mobifilm 2018, festival brasileiro de filmes sobre mobilidade e segurança no trânsito.
O documentário é homônimo a um evento ciclístico que ocorre periodicamente em São Paulo, promovido pela ArteMatriz Soluções Culturais, cujo objetivo é intervalar momentos de pedalada ao ar livre com pausas para curtir apresentações musicais.
A mescla entre esporte, lazer, cultura e uso dos espaços públicos, itens retratados no filme, fazem parte do ideário de Denise. Ela aponta que as cidades foram projetadas para os carros e, para desenvolver convivência mais harmônica entre automóveis e bicicletas, com a adaptação dos centros urbanos às bikes, é fundamental ir além de "ideologias" e apostar em propostas educativas.
— A pauta do ciclismo não pode ser partidarizada — pontua a ativista.
Sem radicalismos, Denise se opõe às polarizações que criam abismos e relações conflituosas entre grupos sociais. Ela entende que o caminho é aproximar as pessoas e promover debates construtivos. Cita como exemplo uma audiência pública em que testemunhou diálogos sobre direitos de minorias entre os senadores Paulo Paim (PT-RS) e Mara Gabrilli (PSDB-SP).
— As pessoas não estavam ali se odiando naquele momento — comenta.
Outro tema relevante da conversa de Denise com cicloativistas em Porto Alegre é sobre o desejo por ver a bicicleta em debate na sociedade – e na imprensa – em decorrência de momentos de alegria e desenvolvimento social, como pedaladas coletivas e sustentabilidade. Exemplo disso, aponta Denise, é o projeto Bike Anjo, iniciativa que orienta pessoas a partir dos 14 anos a começar a pedalar com seguranças nas cidades – em Porto Alegre, a atividade ocorre no último domingo de cada mês, em frente ao Ginásio Tesourinha, das 9h às 12h.
No workshop, uma das discussões era exatamente como introduzir na sociedade e na mídia momentos positivos do ciclismo. Para Denise, a bicicleta acaba "criminalizada" por se tornar motivo de debate quando ocorre acidente com morte. Ou em razão de alguma ciclovia polêmica, seja pelo seu traçado questionável ou por desagradar a motoristas.
Com experiências internacionais, aficionada pelo modelo da Bélgica de investimento cicloviário, Denise espera retornar em breve a Porto Alegre. O objetivo é trazer uma edição do Ciclovia Musical, do qual ela é colaboradora, à capital gaúcha, o que depende de patrocínios privados para a organização, a montagem de palcos e a contratação de músicos.