
Por vezes rivais em campo, jogadores como Índio e Máxi López, Abondanzieri e Barcos e Jô e Bolaños jogam no mesmo lado em um estabelecimento da pequena Rua Walter Spalding, no bairro Azenha. Basta cruzar a porta do AM Fotos, no trecho entre as não menos modestas ruas Dom João Becker e Professor Freitas e Castro, para deparar com dezenas de imagens de ex-futebolistas da dupla Gre-Nal afixados em um mural de isopor encapado com tecido azul, como em um álbum de figurinhas exclusivas.
O responsável por escalar a inusitada seleção — que conta ainda com nomes como Paulo Roberto Falcão, Dunga, Lúcio, Tinga, Alan Ruiz e Lucas Barrios, entre outros — foi o próprio autor das imagens, Gilnei Soares, 51 anos. Dono do negócio que trabalha com fotos para documentos e funciona como uma espécie de despachante, preenchendo e encaminhando formulários dos mais diversos, nas imediações da Polícia Federal, ele começou a montar a equipe no começo dos anos 2000.
Um dos primeiros jogadores a requisitarem seus serviços, ainda à época em que a loja funcionava na Avenida Paraná (mudou-se para a Walter Spalding em 2004), foi o zagueiro Lúcio. É dele a foto mais antiga preservada no mural, já desbotada por ação do tempo. Logo surgiriam diversos outros, a maioria novas contratações dos dois principais times do Estado.
— Tinha épocas que chegavam a vir dois no mesmo dia, principalmente jogadores estrangeiros. Como é tudo muito rápido, comecei a perguntar se podia ficar com uma foto e pendurar no mural — conta.
Quase todas em tamanho 3x4, tiradas do mesmo ângulo, as fotos foram plastificadas e receberam identificação.
— Nem todos as pessoas conhecem de cara — explica Gilnei.
As que exibe atualmente, com a devida autorização dos fotografados, são apenas uma parte do que reuniu ao longo dos anos — jogadores que ficaram conhecidos na década de 1990, mas de quem o público já não se recorda, foram para o banco de reservas da seleção fotográfica.
Se o passar do tempo foi o que permitiu acumular o acervo que ostenta hoje, os avanços tecnológicos do período fizeram a clientela driblar o local — reduzindo também a frequência de famosos na loja. Enquanto cerca de 15 anos atrás chegava a tirar mais de uma centena de fotos por dia, hoje dificilmente passa de uma dúzia. Dentre os atletas, uma das mais recentes é do argentino Jesús Datolo, que atuou no Inter entre 2012 e 2013.
A migração do serviço de emissão de passaportes para o Shopping Praia de Belas, em 2017, foi outro complicador para o negócio, que atua sem concorrência em meio às oficinas mecânicas e lojas de equipamentos automotivos que proliferam na vizinhança. Atualmente, atende quase exclusivamente a dois grupos: estrangeiros (para quem o serviço ainda é realizado na PF), e crianças até três anos (cujas fotos não são feitas no local da emissão).

— Não fechamos aqui porque o passaporte estrangeiro ficou. A foto (física) praticamente terminou, mas ainda tem lugares que tem de levar — relata.
Segundo Soares, haitianos — na manhã desta terça-feira, havia pelo menos seis deles à espera de atendimento no local — e venezuelanos estão entre os principais clientes internacionais.
Apesar das mudanças, o lugar mantém o modelo de funcionamento de seus primórdios: uma cabine nos fundos da sala onde o freguês senta-se em frente ao fotógrafo — que faz o registro com um modelo digital. Ao lado da estrutura, um espelho retangular, escova de cabelo e diversos modelos de pentes permitem a sempre válida tentativa de sair bem em registros de documentos antes de posar para Gilnei.
Após o registro, o ex-militar que atuou em empresas de segurança antes de virar comerciante retoca a imagem em um programa da edição que aprendeu a usar pela internet. O processo entre o clique e a impressão não leva 10 minutos, e preço por oito fotos 3x4 ou duas 5x7 é R$ 15.
As fotos que faltaram
Quando questionado sobre suas preferências futebolísticas, o fotógrafo preza pelo bom relacionamento com os clientes:
— Sempre que me perguntam se eu sou gremista ou colorado, respondo que eu sou comerciante — brinca Soares, que revelou à reportagem ser torcedor do Inter.
Por "falta de tempo", conta, nunca tirou fotos com os jogadores — junto às imagens deles também anexou um registro do ator Werner Schünemann, feito em 2005, e uma imagem do Gaúcho da Fronteira. Nem todos os famosos que passam por sua loja vão para o mural.
Um dos que ficaram de fora foi o argentino D'Alessandro. Menos engajada que o marido, a esposa, que atendeu o jogador em um dia que Soares não estava, esqueceu-se de pedir para ficar com uma foto.
Também há aqueles que Soares gostaria de ter fotografado, mas que nem chegaram a pisar no local. É o caso do peruano Paolo Guerrero, mais recente ídolo colorado.
— Quando eles vêm direto do Exterior, normalmente tiram foto aqui. Mas esse acho que já tinha feito (a documentação) no Brasil, porque passou direto — lamenta.