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*Professor e escritor, autor de Vento Sobre Terra Vermelha
Nos últimos meses, a sociedade gaúcha tem sido surpreendida pelo fechamento (momentâneo ou não) de espaços culturais importantes, como a Casa de Cultura Mario Quintana, o Theatro São Pedro, o Memorial do RS, o Museu de Artes e, até mesmo, a Fundação Iberê Camargo. Interessante que, ao serem questionados, os gestores alegam, em uníssono, os mesmos motivos: falta de recursos, escassez de pessoal, poucas condições de segurança – e segue por aí a cantilena. O fato é que a tão propagada crise, que pelo visto ataca de forma inclemente a área cultural, apenas desnuda um fato: para certos gestores, cultura é dispensável.
Tal mentalidade, no entanto, parece desconhecer o papel significativo dos produtos culturais na construção da cidadania. A arte não serve para nada, apregoam as posturas dos gestores públicos, embora seus discursos digam o contrário e soem esvaziados. Governos, empresas, cidadãos que não investem em cultura, que não fomentam práticas que possibilitem o contato com objetos estéticos, que não incentivam a criação de espaços e de eventos culturais, apenas, mais uma vez, desnudam o rei, como no célebre conto de fadas. Ou seja, apontam para o óbvio: investimento em cultura não aparece. Pelo menos, não tanto quanto asfalto ou aparato policial.
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Nossos espaços culturais não somente abrigam a arte em suas mais diferentes manifestações. A maioria deles, além de salvaguardar a memória, visto que são prédios centenários, também são territórios que fomentam a criação, por meio de oficinas, de cursos, de palestras, além de possibilitarem a experiência fruitiva. O fechamento de suas portas, sejam quais forem os motivos, é interdito ao direito que nos é facultado de vivenciar contatos estéticos, quer prazerosos ou desacomodadores.
Assim, fica evidente que, no momento em que espaços culturais são sucateados e em que projetos tradicionais de fomento à leitura, como o Autor Presente – que há mais de 40 anos promove encontro de leitores e escritores, de leitores e livros – não recebem verba, não têm dotação orçamentária, a sociedade perde. E muito. Afinal, para a maioria da população tais espaços e projetos são única possibilidade de contato com a experiência estética, como entretenimento ou reflexão. Permitir, pois, que portas sejam fechadas, além de não ser produtivo para quem cria e para quem consome arte, não é nem um pouco saudável na promoção do bem-comum, afinal a arte é necessária ferramenta para o resgate da autoestima e da cidadania. Manter abertas as portas de espaços culturais impedirá que outras malfadadas portas tenham de ser abertas, com certeza.
Nessa perspectiva, uma pergunta ecoa: a quem interessa que a cultura não receba o valor que lhe é devido? Quem se privilegia com espaços atrativos, como a CCMQ (só para citar um dos prédios que passa por dificuldades de manutenção), que possui biblioteca infantil, salas de teatro, salas de cinema, exposições permanentes do Quintana e da Elis, fechados? Quais os reais entraves para se pensar uma política orçamentária que coloque em destaque áreas como educação e cultura? O que vemos hoje, infelizmente, é um pensar a cultura de forma excludente: cada vez mais pessoas têm seu direito de acesso a bens culturais cerceado.
É possível dizer que os motivos alegados pelos gestores (públicos ou não) apenas dão conta daquilo que é visível e imediato: a crise econômica achatou orçamentos, exigiu cortes, inibiu investidores. Contudo, esta é apenas a ponta do iceberg. As águas profundas das prioridades de investimento escondem uma verdade: cultura não atrai votos, cultura não tem retorno imediato. Assim, em momentos ditos de crise, sofre aquela que é a prima pobre, aquela que atua de forma mais silenciosa.
Cultura, é importante dizer para aqueles que ainda se fazem de surdos, não se faz com voluntariado ou com a exploração de artistas. Há promotores que, muitas vezes, esquecem que artistas são profissionais e, portanto, precisam ser remunerados, precisam de leis de incentivo melhor fiscalizadas, necessitam de espaços públicos para seus projetos. Cultura é feita com investimento, com dotação orçamentária que assegure as verbas necessárias para que não tenhamos de viver mendigando o passe livre em prédios que abrigam a arte em suas mais variadas formas e expressões. Caso tal mentalidade não mude, estaremos sempre à mercê das crises. Algumas podem ser passageiras, outras podem arrasar toda a semeadura já feita.