Professor de Teoria Política na Universidade Federal de Pelotas, o pesquisador Daniel de Mendonça é autor de Tancredo Neves: da Distensão à Nova República, que estuda o papel do presidente eleito na transição da ditadura para democracia. Para ele, o grande desencanto nacional que se seguiu à morte do presidente, na noite de 21 de abril, se deve ao fato de, àquela altura, Tancredo ser menos um político e mais uma imagem associada às esperanças nacionais para o país. Uma imagem que o próprio Tancredo ajudou a construir, sem saber que não teria como dar prosseguimento a ela. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Como Tancredo se torna o nome de consenso para a oposição em 1984?
Para entendermos o que foi Tancredo em 1985, temos que considerar o que aconteceu na Campanha das Diretas, em 1984. Quando as Diretas não passam na Câmara dos Deputados, o PDS e o PMDB, os dois maiores partidos, já começam a pensar no lançamento das candidaturas. Do lado do PMDB, tem a candidatura "natural" de Ulysses Guimarães. E Tancredo, que era governador de Minas Gerais, era um candidato mais palatável para os militares para a fase final da transição. Evidentemente que não era um candidato popular como seria uma candidatura do Ulysses, ou mesmo do Brizola, do PDT. Quando sai o Tancredo como candidato do PMDB, de fato, há um anticlímax. Logo no início da campanha, ali por maio ou junho, ela é muito morna. Porque são 585 brasileiros que iriam decidir por milhões. Mas na verdade, se a emenda das Diretas tivesse passado na Câmara, dificilmente teria sido aprovada no Senado, onde o PDS tinha maioria. Na verdade, a Campanha das Diretas, do ponto de vista da política prática, foi um ensaio romântico. Tancredo, de certa maneira, sabia disso.
Ele era um candidato com pouca experiência executiva. Como conseguiu se tornar uma opção viável?
A princípio, quando o PDS define o candidato, se as eleições tivessem sido na mesma época, certamente teria ganho a situação, mesmo com um nome como o de Maluf. Por que o Colégio Eleitoral é composto por todos os deputados federais, todos os senadores e seis deputados estaduais de cada unidade da federação, escolhidos pela própria Assembleia Legislativa. O PDS era mais forte no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que reuniam um número maior de Estados. O Pará, por exemplo, que tinha uma população pequena, tinha os mesmos seis deputados de São Paulo. Então o PDS contava com um Colégio Eleitoral muito elástico. E o que Tancredo fez? Primeiro, ele uniu as oposições, ou seja, os partidos que não eram o PDS: PDT, PTB, PMDB. Ele rachou o PDS, de certo modo, quando foi fundada a Frente Liberal. Tanto que o vice foi José Sarney, que até seis meses antes era presidente do PDS. Por outro lado, e aqui vem a jogada de mestre, ele reedita a Campanha das Diretas. Ele faz uma campanha de rua. Porque o Tancredo, antes da campanha eleitoral, era um político de bastidores, que às vezes ganhava algumas eleições muito apertadas. Ele não era um político de massa carismático, nunca foi prefeito, não teve muitos cargos executivos, se tornou governador só no final de sua carreira. Então, ele reedita a Campanha das Diretas, faz comícios, a Fafá de Belém vai lá e canta Hino, o Osmar Santos vai lá e narra o gol das Diretas, etc. E, com isso, ele consegue um apoio popular enorme. Ao mesmo tempo, era um candidato palatável a parte dos militares, tanto que Geisel o apoiava.
E que imagem se consolidou nessa campanha?
De junho de 1984 até janeiro de 1985, a imagem do Tancredo cresce até se transformar em salvador da pátria. É ele que cunha a expressão Nova República. Uma série de pesquisas ali por dezembro, janeiro, perguntava como os brasileiros achavam que seria 1985, e havia muita esperança com a possibilidade de uma vitória dele. E ele vence de modo esmagador. Então, se por um lado o Colégio Eleitoral manteve uma regra da ditadura, por outro soube cumprir o que se poderia chamar de vontade do povo. Além disso, os políticos tinham medo porque haveria eleições em 1985. Agora, uma coisa foi ele vencer. Outra foi a tragédia a partir da madrugada de 15 de março. Porque o público acompanhou o calvário de cirurgias daquele líder que parecia que ia salvar o Brasil. Ele não consegue assumir, morre no dia de Tiradentes, outro mártir mineiro, uma imagem muito forte. A questão toda foi mais simbólica do que relativa ao homem de carne e osso. Quando se fala no contexto de histeria coletiva que houve com a morte dele, é porque o nome Tancredo se tornou literalmente um nome, não uma pessoa de carne e osso. Tancredo era um símbolo de esperança, e isso morre com ele. E fica o clima de "o que será do Brasil?". As pessoas também tiveram essa comoção porque achavam que a esperança resolveria tudo magicamente. Se ele tivesse ficado no governo, a percepção seria outra, porque não seria mais o símbolo, e sim o governo real.