
O prefeito de Gravataí, Luiz Zaffalon (PSDB), demitiu dois auditores tributários concursados após o vazamento de conversas de um grupo de WhatsApp.
O conteúdo dos diálogos, vazado por uma integrante do grupo, motivou a abertura de processos administrativos disciplinares (PADs) contra ambos servidores da Secretaria Municipal da Fazenda, Planejamento e Orçamento (SMFPO).
A comissão processante classificou a prova como ilícita, por violação do sigilo das comunicações, e refutou outras acusações contra os dois servidores, opinando pela absolvição deles por unanimidade.
Contudo, a legislação de Gravataí determina que a palavra final nos processos disciplinares é do prefeito. Em janeiro de 2025, Zaffalon, que é criticado e ofendido por servidores nas conversas vazadas, tomou a decisão de aplicar a pena máxima e demitir Régis Fabrício Conceição e Elton Garstka Kssesinski.
Zaffalon justificou a determinação ao afirmar que a comissão processante, integrada por servidores públicos municipais, analisou os casos de forma contrária às provas.
O conteúdo das mensagens
O grupo de WhatsApp tinha cerca de 20 integrantes, todos servidores da secretaria. Eles estavam em campanha salarial e pleiteavam outras melhorias para a categoria.
Era sobre esses temas que falavam no grupo, denominado "A Fazenda", onde manifestaram intenção de lançar uma operação padrão, uma forma de tornar o atendimento aos contribuintes mais moroso na secretaria. Seria um protesto em caso de não terem as reivindicações atendidas.
Também foram postadas mensagens de insubordinação e de baixo calão contra o prefeito Zaffalon e o titular da secretaria, Davi Severgnini. Os fatos aconteceram entre março e maio de 2024.
Ameaça de paralisação
Contra o ex-servidor Elton, a principal justificativa para a demissão foi o envio de um áudio no grupo em que ele afirma: “Se não der nada para nós ali (...), aí nós vamos parar geral. Aí mesmo que o Zaffalon se reeleja, é cinco anos sem o apoio do pessoal da administração tributária e dos fiscais”.
Além de auditor tributário, Elton era diretor de receitas à época do litígio. Ele e outros colegas entregaram os cargos de chefia como forma de protesto pelos entraves nas negociações salariais com a prefeitura.
Embora o grupo tivesse cerca de duas dezenas de integrantes que se manifestaram e defenderam a operação padrão, a comissão processante questionou o motivo de apenas três servidores serem alvo de PAD, dois deles punidos com a demissão.
Quem vazou
Uma participante do grupo registrou as conversas em ata notarial e levou ao conhecimento de Severgnini, titular da SMFPO, que determinou a abertura dos processos.
A mulher que vazou as comunicações chegou a fazer a defesa da operação padrão nos diálogos com os colegas de trabalho. Contudo, ao mudar de posição e cientificar o superior sobre o conteúdo do grupo de WhatsApp, ela se tornou diretora de um setor da secretaria.
No documento em que determina as exonerações, o prefeito Zaffalon refuta que se trate de prova ilícita. Ele justificou que um membro do grupo pode expor o conteúdo das conversas em situações específicas, como quando houver interesse público.
Argumentos para as exonerações
Embora o cerne dos processos e das demissões seja as conversas, o prefeito listou uma série de outros fatores para justificar o seu ato.
Zaffalon afirmou que a alegada operação padrão causou queda na arrecadação municipal de Imposto Sobre Serviços (ISS) e gerou aumento de reclamações na ouvidoria sobre a qualidade do atendimento aos contribuintes.
Essas razões foram rebatidas pela comissão processante. A arrecadação de 2024, se comparada à do ano anterior, teve crescimento. A comissão ainda buscou dados da ouvidoria-geral da prefeitura e verificou que, entre março e maio de 2024, período do litígio, as reclamações foram menos numerosas do que em janeiro e semelhantes a dezembro e novembro de 2023.
“Não se evidencia aumento de ouvidorias qualitativo ou quantitativo que possa ser imputado à conduta dos fiscais”, disse o parecer da comissão processante.
O relatório também concluiu que a operação padrão ficou no campo da ideação e não aconteceu na prática.
Fiscalização tributária
Outras situações pesaram no caso do ex-servidor Conceição. Zaffalon destacou que ele teria impedido a ampla defesa de uma empresa em um procedimento de fiscalização tributária, além de ter solicitado o que seria um excesso de documentação relacionada a construções habitacionais.
Para a comissão processante, o servidor atuou com rigor no cumprimento da sua função, que é evitar a sonegação fiscal.
O prefeito ainda mencionou que Conceição descadastrou, ao fazer um teste de rotina, outros servidores da SMFPO do sistema do Simples Nacional, o que teria trazido prejuízo à administração pública.
O descadastro foi percebido e revelado pelo próprio Conceição, que enviou um e-mail informando aos colegas sobre o fato e foi à sede da secretaria, em meio a um período de férias, para corrigir o problema.
Conceição e Elton apresentaram recursos administrativos requerendo ao prefeito a revisão das penalidades aplicadas, mas ambos foram rejeitados. Os dois ex-servidores vão ingressar na Justiça para tentar reverter as exonerações.
O que dizem os envolvidos
Elton Garstka Kssesinski
“Depois de entregar o cargo de diretor de Receitas, por promessas de melhoria salarial não cumpridas pela administração, passei a ser perseguido, resultando na abertura de um PAD. A demissão foi totalmente desproporcional, contrária ao parecer da comissão processante, baseada em prova ilícita e fraudulenta.”
Régis Fabrício Conceição
“Ficou provado que não houve diminuição de receitas. Houve, sim, aumento de arrecadação, exceto no período da enchente de maio de 2024, o que foi recuperado a partir de junho e julho. A decisão é ilegal e quebra princípios do devido processo legal, da razoabilidade e da proporcionalidade. Foi um ato de vingança do prefeito contra os servidores que não concordam com a desvalorização da carreira dos auditores tributários.”
Prefeitura de Gravataí
"A Prefeitura de Gravataí esclarece que as demissões dos servidores em questão ocorreram estritamente dentro dos limites da lei, em conformidade com o Estatuto do Servidor e os princípios que regem a Administração Pública brasileira.
À época dos fatos, os servidores demitidos haviam reivindicado reajuste salarial de 50%. Diante da limitação orçamentária e da necessidade de priorizar outras categorias com maiores déficits históricos acumulados, incluindo a dos professores, a gestão municipal não concedeu o reajuste pretendido pelos funcionários em questão. Vale ressaltar que a categoria já havia sido beneficiada no início da gestão anterior por mecanismo que instituiu o bônus por produtividade.
Insatisfeitos com a negativa, os servidores colocaram cargos diretivos à disposição e passaram a criar obstáculos para o funcionamento da máquina pública, utilizando-se das posições que ocupavam para prejudicar a administração municipal e, consequentemente, a comunidade. A ilegalidade destas ações foi comprovada por meio de ata notarial apresentada por uma servidora, que registrou conversas demonstrando a intenção e as atitudes dos envolvidos no sentido de obstruir a prestação de serviços essenciais à comunidade.
Entre as condutas ilegais observadas, houve o bloqueio de acesso de parte dos servidores ao sistema do Simples Nacional, que impactou empresas que investem e geram emprego e renda em Gravataí. Além disso, durante a operação padrão promovida pelos demitidos, verificou-se uma queda no ritmo de crescimento da arrecadação municipal, evidenciando que interesses individuais e corporativistas foram colocados acima do bem comum. Trechos de conversas registradas pela servidora mostram ainda que houve ameaças à vida e ofensas direcionadas a gestores do município.
O cumprimento da lei é dever de todos os agentes públicos, sem exceção. Ao tomar conhecimento da operação padrão e de comportamentos incompatíveis com o serviço público praticados pelos colegas, a servidora registrou as conversas e apresentou a ata notarial à administração municipal. Esta, por sua vez, cumprindo o que manda a lei, determinou a abertura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), a fim de apurar as condutas praticadas. Apesar de juntadas ao PAD, as atas notariais que comprovaram com robustez a materialidade dos fatos foram desconsideradas no relatório sem justificativa plausível, uma vez que esse tipo de prova é considerada válida pela legislação brasileira.
O PAD tramitou e permanece em sigilo para preservar a identidade das pessoas envolvidas. No entanto, a gravidade das atitudes dos servidores restou comprovada pela ata notarial e pela paralisação de serviços públicos essenciais. Ao final do devido processo legal, embasada em provas e observando os princípios da legalidade e do interesse público, a Prefeitura de Gravataí determinou a demissão de dois servidores por violação do Estatuto do Servidor e a suspensão de uma terceira servidora."