Encerrando seu sexto ano como governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite fez um balanço de 2024 durante entrevista ao Conversas Cruzadas, apresentado por Léo Saballa Jr., e exibido em GZH nesta sexta-feira (20). O ano acaba marcado pela enchente e pelos desdobramentos do desastre na vida social, econômica e política do Estado — com a avaliação de que houve ruídos na articulação entre o Palácio Piratini e o governo federal.
Diante dos desafios impostos por 2024, Leite projetou um 2025 de retomada nas ações previstas pelo governo estadual no início do segundo mandato — com foco nas obras em rodovias e escolas. O futuro também passa pelas aspirações de voos políticos mais altos do governador, que se diz disposto a concorrer à Presidência da República ou, ao menos, a ser uma alternativa de um "centro avante", em um trocadilho com a posição dos goleadores no futebol.
Confira trechos da entrevista
O principal fato de 2024 foi a enchente. Passado esse período, que análise o senhor faz de sua responsabilidade política?
Já tinha sido posto, neste mandato, começar a fazer a retomada da capacidade operacional, fazer investimentos de obras e tudo mais. E aí vem a enchente. É como se a enchente trouxesse todas as demandas ao mesmo tempo. Os hospitais foram atingidos, a população precisou de assistência, tem que fazer casa, retomar a estrada, botar a polícia na rua. Em todas as frentes, a enchente reseta o governo inteiro.
A gente fez o melhor que pôde. Não quer dizer que não houve falhas, não quer dizer que acertamos em tudo, não somos infalíveis, mas eu tenho um sentimento de que entramos em campo com todo o esforço possível, buscando acertar políticas públicas, querendo organizar a própria máquina, e contamos com o apoio da sociedade civil, que se mobilizou muito.
Na questão ambiental, o que o governador pode fazer?
Furacão na Flórida, chuvas em Valência, norte da Itália debaixo d'água, a Alemanha com cidades afetadas por enchentes, a China, o mundo inteiro. Sem dúvida nenhuma, isso é um alerta para todos, para o governador, para a sociedade, para o empresário, para o cidadão, para todo mundo.
Temos uma série de ações naquilo que nos compete. A nossa agenda de clima já estava estabelecida, de uma forma organizada e articulada, desde o ano passado, o Proclima 2050. Por exemplo, quais são as contribuições que o Estado tem nas mudanças climáticas? Mudança de uso da terra, que é toda a interferência feita pelo ser humano. Existe um programa de agricultura de baixo carbono, com pensamentos específicos para desenvolvimento de técnicas como plantio direto, terminação intensiva na pecuária, entre outras ações que ajudam a reduzir a emissão de carbono e, principalmente, mitigar, ou seja, equilibrar, para que as emissões líquidas sejam zero.
No meio dessa discussão toda, com toda a atenção política que se dá a esse assunto, há aqueles que querem dizer que as alterações feitas na legislação ambiental, de alguma forma, tenha interferido nisso. Não houve, nas alterações que fizemos, qualquer tipo de fragilização na legislação. Buscamos avançar numa direção de desburocratização, numa consciência firme de que o entrave ao desenvolvimento econômico é também inimigo do meio ambiente.
Qual a situação das obras nas rodovias?
Boa parte dos danos foram causados pela chuva. Uma parte se resolve a partir das concessões que fizemos, que mostra que foi acertado fazer as concessões. Nas rodovias que foram concedidas para o setor privado, as concessionárias, imediatamente, entraram em campo e já conseguiram resolver, num primeiro momento emergencialmente, e já encaminhando as soluções definitivas.
Nas estradas que são operadas pelo Daer, diretamente pelo Estado, a gente não consegue sair, no dia seguinte, fazendo as obras mais complexas. O que entra em campo imediatamente depois da enchente é o nosso contrato de conservação e manutenção.
A boa notícia é que está no rito final para estabelecer a contratação, para que a gente consiga ter as obras iniciadas no primeiro trimestre do ano que vem.
Qual a situação atual do fundo criado com o dinheiro que o governo usaria na dívida com a União?
Pagamos para nós mesmos um fundo destinado à reconstrução e à resiliência do Estado. Esse fundo deverá ter, até meados de 2027, R$ 14 bilhões. Já temos projetos aprovados para utilização desse fundo na ordem de R$ 6 bilhões.
No curtíssimo prazo, parte desse recurso já foi utilizada, por exemplo, nos programas que fizemos, como o Volta por Cima, em que gente creditou para as famílias de baixa renda até R$ 2,5 mil para poderem comprar itens diversos. Financia também os módulos temporários de casas que estamos colocando em diversos lugares.
A dragagem e o desassoreamento dos rios também vão ser financiados com esse recurso que a gente já aprovou e está aportando R$ 730 milhões desses recursos na Portos RS, que é a empresa de portos do Estado.
E também temos praticamente R$ 1 bilhão nas forças de segurança. Vamos adquirir helicópteros, botes, barcos, uma série de itens para reforçar a capacidade de resposta das forças de segurança do Estado.
No campo político, como ficou a relação do senhor com o ministro Paulo Pimenta e com o governo federal?
Fui eleito governador do Estado e o ministro foi designado pelo presidente da República para ser ministro. Nenhum de nós foi colocado no cargo para ser amigo um do outro, nem para ser inimigo. A relação foi republicana, com convergências e divergências, com concordância e embate, eventualmente. Manifestei que toda a ajuda era bem-vinda e que pedissem a mim, como governador, o que fosse necessário que o Estado fizesse. Só que não pedissem que o governador deixasse de ser governador.
Não é fácil, não é simples, porque há divergências, há diferenças, há pontos de vista diferentes que, no ambiente político, significam, muitas vezes, dificuldades de estabelecer a devida relação de confiança necessária para determinados encaminhamentos. Mas a gente tem que ser maduro, todos nós, para lidar com essa situação.
O que nos causou certa dificuldade foram anúncios sem a devida articulação. Se preocuparam com anúncio sem tratar da política efetivamente.
Lutamos muito para ter um programa para manutenção de emprego e renda. As empresas foram afetadas, elas tinham dificuldade de cumprir seus compromissos, e isso poderia gerar demissões. Pega o que funcionou na pandemia, que não é do governo anterior, do (Jair) Bolsonaro. Isso foi gestado muito no Congresso. Então, esquece um pouco se foi do Bolsonaro ou se não foi. O programa funcionou. Lutamos por isso. O presidente veio ao Rio Grande do Sul, fez um anúncio de um outro programa, de um outro formato, de um outro jeito. Tem um governador eleito, senta e conversa. Nunca fui desleal. No que eu tratar em um ambiente de estruturação de política pública vou sair na frente e anunciar? Não. Talvez esse fosse o receio.
Não posso dizer que o governo federal não tenha feito nada, mas não posso dizer que eles fizeram tudo o que disseram que fizeram. Mas prefiro ver aquilo que foi feito. Estamos convergindo, que bom.
O senhor diz que está disponível para ser candidado a presidente da República. Como o senhor se coloca neste cenário de polarização?
Não é uma tarefa fácil. Ter uma aspiração pessoal, depois ter sido governador do Estado, à Presidência não significa de maneira nenhuma que essa aspiração pessoal se sobreponha ao meu compromisso como governador e ao meu interesse, como brasileiro, de entregar ao país uma alternativa a isso que está posto, que eu considero ruim.
Não estou na política pelo caminho mais fácil. Se quisesse o caminho mais fácil, teria me abraçado em um dos polos na última eleição. Decidi corresponder àquilo que é minha visão de mundo. Se as pessoas entendem que é outro caminho, não tem problema.
Alguns partidos já procuraram o senhor. Que partidos são esses?
Sou do PSDB há 23 anos. Não vou me movimentar politicamente antes que a gente discuta dentro do PSDB o que faremos. As regras do jogo no sistema eleitoral, coligações, financiamento acabam gerando ao PSDB uma dificuldade de movimentação.
Isso impõe para nós caminhos em que consigamos ter força para defender aquilo que acreditamos. Inclusive, envolvendo fusão, incorporação ou outra ferramenta que nos dê fôlego.
Convites eu recebi de muitos partidos. Tem que perguntar para as pessoas que me convidaram.
Quero ajudar a construir uma alternativa para o país. Não é sobre ser candidato em 2026, é sobre construir uma alternativa de centro com propósito. Eu digo que é um "centro avante". É um centro para frente, um centro que se movimenta... O centroavante do futebol é isso. Não é estar no centro para estar equidistante aos outros, confortável no meio do caminho. É firmeza no combate ao crime e sensibilidade social. É Estado menor, mas presente onde as pessoas precisam. Não é uma coisa amorfa, sem capacidade de formulação.
O senhor falou muito na eleição que pretendia fazer diferente a política de obras nas escolas. Está andando como o senhor planejou?
Satisfeito, não estou. Acho que precisamos avançar mais. Mas tenho que compreender também que a enchente não foi qualquer coisa. Para a demanda ordinária, já tinham as dificuldades de atender a todas as necessidades, de uma hora para a outra, em maio, a demanda decuplicou.
A gente está fazendo agora um processo de contratações emergenciais de profissionais para o Estado. Aí entram mais dificuldades. Sindicato questionando na Justiça, suspende a contratação. Temos a confiança de que tudo estará devidamente esclarecido.
O senhor está completando o seu sexto ano de oito no governo. O que o senhor faria diferente?
Muitas coisas eu faria no mesmo caminho. Foi um governo que começou com crise fiscal, atravessou pandemia, anos de estiagem e passou pela enchente. É fácil, depois do jogo jogado, a gente olhar para trás. Quem está no campo, diante da emoção, da tensão, tem um entendimento. Depois vem a análise no VAR.
Sempre que vou revisitar ações, é difícil dizer que faríamos diferente, porque, no momento, no contexto, aquilo era o que se projetava. Por exemplo, tivemos que fazer a discussão sobre questões tributárias, o ICMS, que acabaram gerando um desgaste enorme para o Estado. Eu tenho convicção que, naquelas circunstâncias em que estávamos, se faziam necessárias. Mas as circunstâncias mudaram e nos permitiram abrir mão da questão tributária.
Temos acertos e erros, mas acho que é um governo que acertou muito mais que errou. Pegou um Estado quebrado e tem contas em dia, não tinha capacidade de investimento e estamos investindo. Pode pegar qualquer área, não é arrogância, é uma questão objetiva.