O governador Eduardo Leite (PSDB) sancionou nesta terça-feira (9) o projeto de lei 151/2023, que altera o Código Estadual do Meio Ambiente com o objetivo de permitir intervenções em Áreas de Preservação Permanente (APP) para fins de irrigação. De autoria do deputado Delegado Zucco (Republicanos), o PL havia sido aprovado em março passado na Assembleia Legislativa, com 35 votos a favor e 13 contrários.
O texto sancionado por Leite nesta terça conceitua obras de infraestrutura para irrigação como de utilidade pública, e as áreas a serem irrigadas como de interesse social. Dessa forma, abre a possibilidade para a intervenção, mediante necessidade e com compensação.
Após a sanção do governador, o projeto de lei ainda precisa de regulamentação, a ser feita pelo Executivo, para entrar definitivamente em vigor. A expectativa das entidades que apoiaram a aprovação do PL é que esta regulamentação seja feita pelo governo já nas próximas semanas.
O atual regramento estabelecido pelo Código Estadual do Meio Ambiente vedava a possibilidade da construção de infraestruturas de irrigação nas APPs, o que é uma demanda já antiga de parcela significativa do produtores rurais do Estado. Conforme dados da Radiografia Agropecuária do RS de 2023, apenas 2,8% da área de soja é irrigada; no milho, o percentual é de 13,7%.
Sanção recebe apoio de entidade de produtores rurais
A Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) foi uma das apoiadoras do projeto de lei aprovado nesta terça-feira. Para o coordenador da comissão de meio ambiente da entidade, Domingos Velho Lopes, a mudança pode significar um "seguro" contra a estiagem para os produtores.
— Encaramos como um dia histórico para o Rio Grande do Sul. Os produtores já clamavam há muito tempo por essa possibilidade de aumentar o armazenamento de água nas propriedades, os deputados cumpriram o seu papel de ouvir a sociedade e o Executivo teve sensibilidade para entender a demanda e sancionar o projeto na íntegra. As barragens poderão servir como um seguro agrícola aos produtores do Estado, que nos últimos anos sofreram com a estiagem, e agora terão água para fazer suas produções crescerem — destaca Lopes.
A Farsul publicou uma nota após a sanção do projeto, celebrando a medida. Confira a seguir:
"O governador Eduardo Leite sancionou, nesta terça-feira, o PL 151/2023, que garante o fomento a novas barragens, dando condições do estado enfrentar casos de estiagem. O projeto, que teve apoio da Farsul, altera a lei de nº 15.434/2020, do Código Estadual do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul.
A nova lei facilita a realização de intervenções em Áreas de Proteção Permanente (APP) com o objetivo de reservar água para a irrigação. A reserva de água, neste caso, é considerada de utilidade pública, assim como demais obras de infraestrutura de irrigação, e áreas irrigadas, consideradas de interesse social.
Com a legislação, o produtor gaúcho passa a ter mais segurança jurídica na construção de barramentos com intervenção em APPs, uma maior reserva de água para enfrentar períodos de seca, e um maior percentual de área irrigada, ou seja, uma maior segurança para a produção de alimentos do Rio Grande do Sul."
Ambientalistas criticam o projeto de lei
Por outro lado, organizações de defesa do meio ambiente criticam a aprovação do projeto de lei por parte da Assembleia e a sanção desta terça concedida pelo Executivo. O presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Heverton Lacerda, afirma que "falta visão ecológica" aos deputados, ao governador e aos demais apoiadores do projeto.
— Encaramos a aprovação e a sanção deste projeto com muita lamentação, falta visão ecológica para quem apoia este projeto, pois as APPs são fundamentais para regular o microclima do Estado e preservar os recursos naturais. O que estão querendo é praticar uma agricultura insustentável, o que é inaceitável neste contexto de crise climática que enfrentamos no planeta. Se querem construir infraestruturas de irrigação, que façam nas áreas destinadas à produção, e não à preservação — reforça Lacerda.
A Agapan espera agora algum tipo de contestação jurídica por parte do Ministério Público Estadual, além de estudar também a possibilidade de ingressar na Justiça contra a nova medida. A entidade também já havia publicado um comunicado comentando a então aprovação do projeto de lei na Assembleia. Veja abaixo:
"Reservatórios artificiais podem ser aceitos em áreas antropizadas, já utilizadas para a produção agrícola, em especial quando for para produzir alimentos naturais e saudáveis que possam ir à mesa da nossa população brasileira. Portanto, ressalta-se, esses reservatórios, se necessários em função do inicial cenário de aquecimento global, já alertado há muitas décadas, devem ser feitos fora das Áreas de Preservação Ambiental, que devem ser mantidas como espaços de incomensurável valor ecológico, ou seja, que servem à preservação da vida de todas as espécies.
A criação de reservatórios dentro de APPs impacta na diminuição da biodiversidade, na inversão do processo evolutivo do ecossistema e seu serviço ambiental, no grau de umidade equilibrada da área preservada, no sistema de transporte e locomoção de fauna (corredores ecológicos), na polinização essencial à agricultura, enfim, no trabalho milenar da natureza, que só ela pode fazer por nós.
Se o objetivo for estocar água das chuvas, é preciso que se garanta todas as condições necessárias para que as chuvas aconteçam. As APPs têm grande papel nesse processo. É pouco inteligente, e até perverso, recorrer a essa sistemática proposta pelo projeto aprovado na Assembleia Legislativa do RS.
Esses reservatórios artificiais são antiecológicos, portanto, não podem estar dentro de Áreas de Preservação Permanente. Não devemos permitir, principalmente através de leis, que se ameace a biodiversidade capaz de nos proporcionar a produção necessária à vida."