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A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a abertura de inquérito para investigar o presidente Jair Bolsonaro por suposta prevaricação nas negociações da vacina Covaxin. A decisão atende a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A suspeita é de que Bolsonaro tenha cometido crime de prevaricação ao não determinar a abertura de investigação sobre a compra da Covaxin, vacina indiana contra a covid-19, após receber uma denúncia, em 20 de março, de supostas ilegalidades na aquisição por parte do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e do irmão dele, Luis Roberto Miranda, servidor de carreira no Ministério da Saúde.
"No caso concreto, o exame da petição formulada pela Procuradoria-Geral da República permite concluir que a conduta eventualmente criminosa atribuída ao Chefe de Estado teria sido por ele perpetrada no atual desempenho do ofício presidencial, a afastar, de um lado, a norma imunizante do art. 86, §4o da CF e atrair, de outro, a competência originária desta Suprema Corte para a supervisão do procedimento penal apuratório, ex vi do art. 102, inciso I, alínea b, da CF/88", escreveu Rosa Weber no despacho.
A ministra acolheu ainda as medidas propostas pela PGR e autorizou o órgão a requisitar informações à Controladoria-Geral da União, ao Tribunal de Contas da União, à Procuradoria da República no Distrito Federal e à CPI da Covid sobre procedimentos relativos aos mesmos fatos, com o respectivo compartilhamento de provas. A PGR também pode tomar depoimentos dos envolvidos, como os irmãos Miranda. O prazo inicial da investigação é de 90 dias.
O crime de prevaricação é descrito no Código Penal como "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal".
O novo inquérito contra Bolsonaro teve origem em uma notícia-crime oferecida pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) a partir das suspeitas tornadas públicas na CPI da Covid. O caso foi levado ao STF depois que o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e o irmão do parlamentar, Luis Ricardo Miranda, que é chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, disseram em depoimento à comissão parlamentar que o presidente ignorou alertas a respeito de suspeitas de corrupção no processo de aquisição do imunizante fabricado pelo laboratório indiano Bharat Biotech.
Na avaliação da ministra, os elementos iniciais coletados na comissão parlamentar são suficientes para embasar a hipótese criminal agora sob investigação. "Indicativo de possível conduta que, ao menos em tese, se amolda ao preceito primário de incriminação tipificado no artigo 319 do Código Penal, sem prejuízo de outros ilícitos que possam vir a ser desvendados no curso das apurações", afirmou Rosa Weber.
Em um primeiro momento, a PGR defendeu aguardar o fim da CPI antes de pensar em abrir uma investigação concorrente, mas Rosa pediu um parecer definitivo sobre a abertura ou não de um inquérito neste momento. Só então o vice-procurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros defendeu a instauração da apuração.
Embora tenha pedido a investigação, o vice-procurador apontou 'ausência de indícios' e disse que é preciso esclarecer as providências adotadas pelo governo. Em manifestação encaminhada à PGR, o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, disse que a pasta abriu uma investigação interna, mas não encontrou irregularidades envolvendo a compra da Covaxin.
Ao autorizar o inquérito, a ministra também deu sinal verde para o Ministério Público Federal cumprir as primeiras diligências sugeridas, no prazo de 90 dias, o que deve incluir o depoimento de Bolsonaro. Como mostrou o Estadão, o interrogatório, no entanto, pode esbarrar na falta de definição do STF sobre a modalidade de depoimento do Presidente da República quando ele estiver sob suspeita.
Na terça-feira (29), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, informou que decidiu suspender o contrato para a compra do imunizante.