A pandemia fez os deputados federais gaúchos gastarem menos em 2020. No total, as despesas da bancada com a Cota para Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap), o chamado cotão, diminuíram 35% em relação ao ano anterior. Se em 2019 eles haviam consumido R$ 11,4 milhões, agora foram R$ 7,3 milhões.
Dos 13 itens de consumo analisados por GZH, em 11 houve um menor dispêndio de dinheiro público. Em compensação, os deputados aumentaram os gastos em consultorias e em propaganda.
A apuração contabilizou o uso da Ceap pelos 34 políticos que em algum momento exerceram mandato nos últimos dois anos na Câmara, 31 titulares e três suplentes. Como a atual legislatura começou os trabalhos em 1º de fevereiro de 2019, para fazer uma comparação equilibrada foram coletados apenas os dados referentes aos mesmo período nos dois anos, ou seja, de fevereiro a dezembro (confira nas tabelas).
A economia se deu sobretudo nos deslocamentos. Desde março, a Câmara atua em formato híbrido, com os deputados podendo participar das sessões de forma remota. Sem a necessidade de ir e voltar de Brasília a cada semana, o valor usado na compra de passagens aéreas caiu 86%, de R$ 3,3 milhões em 2019 para R$ 455 mil no ano passado.
Sozinha, a redução nas viagens de avião respondeu por 70% da economia total. Houve ainda queda nos gastos com aluguel de carros, incluindo táxis e aplicativos de transporte (28%), combustíveis (44%) e passagens de ônibus ou barco (80%). Outro reflexo direto da pandemia foi uma despesa menor com hospedagem e alimentação dos parlamentares.
Bibo Nunes (PSL) foi o deputado que teve o maior aumento de despesa em 2020 em relação a 2019, de 9,33%. Osmar Terra aparece com maior diferença, mas, como foi ministro em 2019, não exerceu o mandato e praticamente não utilizou a cota naquele ano (veja o gráfico abaixo). Bibo, por exemplo, pagou com dinheiro da cota parlamentar a conta na Churrascaria Barranco onde comemorou, na noite de 29 de novembro, a vitória de Sebastião Melo na disputa pela prefeitura da Capital. Foram R$ 137 por uma picanha com salada e refrigerante, mais um creme de cassis de sobremesa.
— É um aumento normal. Fiz uma campanha de divulgação, uma prestação de contas com revistas e outdoor (R$ 119 mil, em dezembro) e deu esse aumento. Para deixar o dinheiro para o Rodrigo Maia (presidente da Câmara até a última segunda-feira, 1º)? Se é pra ele gastar, gasto eu. Tenho direito, todo mundo gasta. Outra coisa, deputado não é para fazer economia. Se é para fazer economia, eu fico dormindo em casa. Sou deputado 24 horas por dia. Como pizza, picanha, cachorro-quente, como o que eu quero. Esse foi um dia que trabalhei intensamente e não estava com o Melo. Se estou num restaurante e um cara te cumprimenta, qual é o problema? Eu não estava junto com ele comemorando — afirma Bibo.
Entre as despesas que aumentaram em 2020, as consultorias foram a de maior variação: 30%. Todavia, embora tenha um índice de crescimento menor (5%), o desembolso com propaganda foi o que mais exigiu recursos públicos: R$ 2,28 milhões, ante R$ 2,16 milhões do ano anterior. Com os deslocamentos limitados por conta das políticas de distanciamento social, os deputados turbinaram o investimento na divulgação dos próprios mandatos. O campeão de gasto nesse quesito foi Paulo Pimenta (PT), com R$ 226,7 mil, dos quais R$ 50 mil consumidos em novembro, mês da eleição municipal.
— Em primeiro lugar, é vedada qualquer utilização, na cota parlamentar, de serviços de divulgação que tenha relação com a eleição. O material tem de ser entregue à Câmara e não tem relação com a campanha. Preparamos um balanço de 2020, um informativo de oito páginas, que vai ser distribuído a partir de março para bairros, vilas e periferias, onde é mais difícil o acesso de internet. Não teria como dialogar com as pessoas e prestar contas sem ter esse material — explica Pimenta.
Criada em 2001 para amenizar alegada defasagem salarial dos deputados, a Ceap é uma verba destinada para o custeio do mandato, sobre a qual não incide Imposto de Renda. Por mês, cada deputado gaúcho tem direito a R$ 40.875,90, e os valores podem ser acumulados ao longo da legislatura. Somente na última década, o custo acumulado foi de R$ 2,8 bilhões.
Para receber o reembolso, basta o deputado apresentar uma nota fiscal justificando a despesa. O uso do dinheiro é monitorado pela Coordenação de Gestão de Cota Parlamentar, mas não há fiscalização efetiva. O órgão limita-se a analisar a regularidade fiscal e contábil das notas fiscais apresentadas.
— Tem despesas que não se eliminam com a pandemia, como a manutenção dos escritórios políticos nos Estados. Já os gastos com consultoria não deveriam nem existir, quem dirá aumentar, pois os deputados têm à disposição uma assessoria altamente competente. E a divulgação também. Como eles se sentiram com menor evidência, acharam por bem aumentar o gasto. Se prevalecesse o bom senso e o interesse público, essas duas despesas teriam de ser eliminadas, mas são justamente as que aumentaram — avalia o economista Gil Castelo Branco, diretor da ONG Contas Abertas, entidade especializada na análise e transparência de contas públicas.