A população brasileira não vai às urnas em 2021, mas uma eleição com reflexos diretos na condução do país mobiliza deputados, senadores e os alto escalões do governo federal. Em um jogo de poder que movimenta emendas, acordos e traições, os congressistas irão eleger em 1º de fevereiro os novos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados. Essa disputa vai se acirrar nas próximas semanas, quando os candidatos começarem a percorrer o país em campanha.
Até então favoritos, os atuais ocupantes dos cargos, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) e o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), sofreram derrota no início do mês, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a reeleição dentro de um mesmo mandato. A decisão deflagrou tumultuada corrida nas duas Casas, rachando partidos, o centrão, forças de esquerda e a base de apoio do presidente Jair Bolsonaro.
O ambiente político está mais tumultuado na Câmara, onde Maia tenta emplacar o sucessor, mas ainda está dividido entre as candidaturas de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e Baleia Rossi (MDB-SP). O objetivo primordial de Maia é escolher um nome em condições de derrotar o escolhido do governo, Arthur Lira (PP-AL), em torno do qual já há pelo menos 190 deputados.
Mesmo sem ainda ter anunciado seu ungido, Maia conseguiu reunir no final de semana uma frente que reúne de 11 partidos. Batizado de União da democracia e da liberdade, o consórcio abriga legendas de centro, direita e esquerda: DEM, PSDB, MDB, Cidadania, PSL, PT, PCdoB, PDT, PSB, Rede e PV.
Em manifesto divulgado na sexta-feira (18) e assinado pelos 11 líderes, o grupo afirma que “esta não é uma eleição entre candidato A ou candidato B”, mas sim entre “ser livre ou subserviente, fiel à democracia ou aliado do autoritarismo, parceiro da ciência ou conivente com o negacionismo, fiel aos fatos ou devoto de fake news”. O documento é um repúdio a Lira e ao Planalto, mas não impede defecções. Em boa parte dos partidos signatários, há deputados dispostos a votar em Lira.
Essas traições são fomentadas pelo voto secreto, mas também pela demora de Maia em anunciar seu escolhido. Por enquanto, tudo indica que será Baleia Rossi. Filho do ex-ministro da Agricultura Wagner Rossi e com trânsito fácil na Câmara, o deputado une o MDB, atrai a esquerda e é considerado hoje o único capaz de bater Lira. Ribeiro segue correndo por fora, mas é tido como o nome mais fácil de ser traído no escuro da cabine de votação, sobretudo por causa do empenho que o Planalto tem demonstrado na tentativa de eleger um aliado para o comando da Casa.
Além de ter alguém de confiança controlando os mais de 50 pedidos de impeachment de Bolsonaro, o Palácio do Planalto busca reativar o discurso de campanha já com vistas à reeleição em 2022. Para isso, é preciso colocar em votação pautas caras ao bolsonarismo, como o conservadorismo nos costumes e benefícios para policiais, entre os quais o excludente de ilicitude. Além disso, aliados do governo consideram Maia um adversário com nítidas aspirações à Presidência em 2022 e cuja influência sobre o sucessor pode fazer das votações na Câmara um trampolim para sua campanha eleitoral.
No Planalto, contudo, o nome de Lira não é unanimidade. Embora haja ordem para liberação de emendas em troca de votos ao deputado, parte da ala militar e da ala ideológica teme que o governo acabe virando refém de um político classificado por eles como inconfiável e fisiológico. Na prática, o medo é de que o governo tenha de fazer concessões cada vez maiores em cada votação importante.
Há ainda o receio de que Lira se torne alvo de uma devassa da imprensa em janeiro, temporada de escassez de notícias em Brasília. O histórico de suspeitas de corrupção envolvendo o deputado, calculam estrategistas palacianos, inevitavelmente acabaria respingando no governo. Esse grupo preferia o nome da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, mas Bolsonaro abortou a operação ainda no nascedouro e agora não há mais espaço para uma candidatura alternativa.
No Senado, a situação é mais tranquila. Cada vez mais próximo de Bolsonaro e cotado para assumir um ministério em 2021, Alcolumbre apoia Pacheco (DEM-MG). O presidente, contudo, está se distanciando do senador, enquanto flerta com o MDB. O partido, fiel ao governo na Casa, tem ao menos quatro pré-candidatos: Simone Tebet (MS), Fernando Bezerra Coelho (PE), Eduardo Braga (AM), Eduardo Gomes (SE). Fora Simone, representante do grupo Muda Senado, os demais candidatos são alinhados ao Planalto e a avaliação geral é de que, embora seja uma disputa praticamente plebiscitária, o governo continuará tendo força em plenário.
Os candidatos
Na Câmara
Baleia Rossi (MDB-SP)
Em campanha há dois anos, tem trânsito em todas as bancadas e é considerado o único capaz de bater o candidato do governo, Arthur Lira (PP-AL).
Aguinaldo Ribeiro (PP-PB)
Segunda opção de Rodrigo Maia, enfrenta resistência da esquerda e é tido como alvo de uma tradição na Casa: a traição no voto secreto.
Arthur Lira (PP-AL)
Candidato do governo, é hoje o favorito à disputa, mas vê crescer a frente adversária ao tempo em que virou alvo de desconfiança de alas do Planalto.
No Senado
Rodrigo Pacheco (DEM-MG)
Ungido por Davi Alcolumbre, enfrenta a patrola do MDB em plenário e a cada dia vê crescer antipatia de Bolsonaro a sua candidatura.
MDB
Dividido em pelo menos quatro pré-candidatos, o partido tem sido um fiel aliado do governo na Casa e não deve enfrentar dificuldades na eleição.