A força-tarefa da Lava-Jato São Paulo apresentou uma segunda denúncia nesta terça-feira (29) e agora mira cinco ex-diretores das empreiteiras Camargo Côrrea, Odebrecht, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão, acusados de formar um cartel batizado de "Tatu Tênis Clube". Mais cedo, os procuradores denunciaram os ex-diretores da Dersa Paulo Vieira de Souza e Mário Rodrigues Júnior por lavagem de propina no exterior.
Foram denunciados Benedicto Barbosa da Silva Júnior (ex-diretor de infraestrutura da Odebrecht), Márcio Magalhães Duarte Pinto (ex-diretor de finanças da Andrade Gutierrez), Othon Zanoide de Moraes Filho (ex-diretor de desenvolvimento comercial da Queiroz Galvão), Saulo Thadeu Catão Vasconcelos e Dalton dos Santos Avancini (ex-diretores de transportes da Camargo Corrêa). Todos acusados de crimes contra a ordem econômica.
A movimentação ocorre no último dia de trabalho dos quatro procuradores restantes que integravam a força-tarefa. O grupo anunciou demissão coletiva no início deste mês por divergências com a procuradora Viviane Martinez, chefe do 5º Ofício, responsável pelos casos.
Nos bastidores, a apresentação das duas denúncias no mesmo dia foi motivada pela incerteza sobre o futuro do braço paulista da operação, que agora será conduzida exclusivamente por Viviane.
Conforme o Estadão mostrou mais cedo, uma das novas metas de Viviane é "delimitar" o acervo da Lava-Jato até dezembro deste ano. Na visão dela, a força-tarefa concentrava processos criminais sem distribuí-los, o que levou a um acúmulo de casos no 5º Ofício.
A medida, porém, é vista como uma forma de arquivar ou redistribuir diversos casos para outros órgãos da Procuradoria, esvaziando a Lava-Jato SP. Para evitar este cenário, a força-tarefa apresentou duas denúncias nesta terça e direcionou outros casos à Polícia Federal, detalhando de forma minuciosa sobre a conexão entre os crimes investigados e a Lava-Jato para reduzir as chances do caso ser direcionado a outro órgão.
A primeira denúncia foi apresentada durante a manhã e acusou os ex-diretores da Dersa, Paulo Vieira de Souza e Mário Rodrigues Júnior, de lavagem de propinas da Galvão Engenharia entre 2005 e 2009. Em contrapartida, a empreiteira buscava favorecimento em obras do governo tucano em São Paulo, à época comandado por Geraldo Alckmin e José Serra. As transações, segundo a Lava-Jato, chegaram a US$ 10,8 milhões (cerca de R$ 60,7 milhões).
A segunda denúncia, por sua vez, foca na formação de cartel entre as cinco principais empreiteiras do país: Camargo Côrrea, Odebrecht, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão. Segundo a Procuradoria, o grupo criou um 'manual de atuação' dos integrantes batizado "Tatu Tênis Clube", voltado para a divisão de obras públicas entre as empresas com a apresentação de propostas com piso mínimo acima do que ocorreria em um cenário de concorrência normal.
Segundo a Lava-Jato, o Tatu Tênis Clube gerou "prejuízos bilionários" aos cofres públicos devido ao preço elevado artificialmente em obras do metrô de São Paulo, como as linhas 2-Verde, 4-Amarela, 5-Lilás, 6-Laranja e o monotrilho da Linha 22-Prata e a Linha 17-Ouro. O grupo também atuou em projetos licitatórios de outras capitais, como a construção e expansão de ramais em Fortaleza, Salvador, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba e Porto Alegre.
Incertezas
Dentro do Ministério Público Federal de São Paulo, o futuro da Lava-Jato é considerado incerto. Em nota, o órgão afirmou que as investigações "continuam em andamento", mas que uma eventual nova força-tarefa faria "uma avaliação do atual acervo de investigações, que podem vir a ser redistribuídas".
Segundo levantamento feito pela própria procuradora Viviane Martinez, que irá assumir os trabalhos, a Lava-Jato SP atualmente concentra acervo de 255 processos: 46 inquéritos policiais em curso, 98 processos judiciais e 118 processos extrajudiciais.
Internamente, a reavaliação dos casos por uma nova força-tarefa coordenada pela procuradora foi vista com incerteza e receio de possíveis arquivamentos. Viviane também estaria enfrentando dificuldades para compor a próxima equipe.
O MPF-SP afirmou que foi realizada uma "consulta nacional" entre procuradores que gostariam de integrar a força-tarefa. Porém, não foi informado quando tal consulta foi feita. Em julho, o procurador-geral Augusto Aras abriu edital para reforçar as equipes da Lava-Jato e à época, segundo o Estadão apurou, procuradores se prontificaram a integrar as forças-tarefa.
No entanto, após a renúncia coletiva dos membros da Lava-Jato SP e as trocas de acusações com Viviane, diversos interessados voltaram atrás e passaram a rejeitar a proposta.
O único nome ventilado até o momento é o do procurador Paulo Henrique Cardozo, lotado em Oiapoque (AP). Um pedido de transferência foi enviado à PGR, que deverá consultar o Ministério Público Federal no Amapá sobre a possibilidade de ceder o colega antes de autorizar a troca.
As incertezas sobre o futuro da operação também se somam ao cenário em que a própria Lava-Jato enfrenta reveses na Justiça, como ocorreu com o caso envolvendo o senador José Serra (PSDB-SP).
A denúncia contra o tucano foi aceita pela Justiça Federal de São Paulo, mas a ação penal acabou suspensa pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. As investigações contra o ex-governador também estão travadas por decisão do ministro Dias Toffoli, que em julho deferiu liminar após a defesa de Serra alegar que a operação violou a prerrogativa de foro privilegiado.
O senador é acusado de receber propinas da Odebrecht entre 2006 e 2007 e ter ocultado os repasses por meio de offshores controladas por sua filha, Verônica, até 2014.
Outra denúncia recente da Lava-Jato foi apresentada no início do mês contra o ex-diretor da Dersa, Paulo Vieira de Souza, acusado de lavar propina ao incorporar os repasses ao faturamento do hotel da família, em Ubatuba (SP).
A denúncia ainda não foi recebida pela Justiça Federal, mas a defesa de Paulo Vieira de Souza já se manifestou no processo, o que demandará atuação da nova equipe de Viviane Martinez sobre o caso no futuro próximo.
Divergências internas
A demissão coletiva da Lava-Jato ocorreu após sucessivas tensões entre a procuradora Viviane Martinez e os integrantes da força-tarefa paulista. Em ofício enviado ao Conselho Superior do Ministério Público Federal, os procuradores acusaram a chefe do 5º Ofício de promover um "processo de desmonte" com prioridade de "sanear" seu gabinete.
Segundo os procuradores, a situação se tornou "insustentável" após Viviane unilateralmente declinar feitos e trabalhos que seriam de interesse da Lava-Jato e redistribuí-los. Para os integrantes da força-tarefa, Viviane tinha como "intento central reduzir drasticamente seu acervo" de casos, chegando a até pedir que novas investigações "não fossem conduzidas".
O cúmulo teria sido o pedido de Viviane para adiar uma operação que atingiria o senador José Serra (PSDB-SP) - a Revoada, que aprofundou investigações sobre suposta lavagem de propinas feita pelo tucano e sua filha, Verônica. Segundo a Lava-Jato SP, a procuradora queria adiar a diligência até o Conselho Superior do MPF decidir sobre a criação de uma Unidade Nacional Anticorrupção (Unac), órgão estudado pela PGR para substituir os modelos da Lava-Jato. A proposta estava em pauta em agosto, mas não avançou.
Viviane Martinez, por sua vez, acusa os procuradores da Lava-Jato de concentrar processos criminais sem que os casos passem por livre distribuição - ou seja, sem a possibilidade de serem entregues a outros procuradores se não os integrantes da força-tarefa.
Em ofício ao PGR Augusto Aras, Viviane apontou que o modelo adotado pela equipe dificultou a implementação de medidas "para evitar o crescimento desigual do acervo do 5º Ofício Criminal, com a redistribuição dos casos não conexos". Segundo ela, a força-tarefa concentrava acervo com 255 processos enquanto o 5º Ofício tinha sozinho 146.
Com a palavra, os denunciados
Até a publicação desta matéria, a reportagem ainda buscava contato com os ex-diretores denunciados, mas sem sucesso. O espaço permanece aberto a manifestações.